Sobre o blog:

“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones
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quarta-feira, 4 de junho de 2008

O que é um parto respeitado?

Diogo Ayres de Campos
Director do Serviço de Obstetrícia do Hospital de São João, no Porto

O que é um parto respeitado?
A meu ver, o parto respeitado é aquele em que a grávida é tratada com toda a dignidade que merece, estando no centro das decisões relativas à orientação do parto. Não nos podemos esquecer que o parto hospitalar em Portugal é uma história de grande sucesso relativamente a desfechos de saúde, com taxas de mortalidade materna e perinatal inferiores a muitos países industrializados. Assim, é necessário que o parto continue a ser um evento seguro, mas que seja também cada vez mais uma experiência psicologicamente satisfatória e um momento de junção do núcleo familiar.

Há partos respeitados nos hospitais portugueses?
Tenho assistido nos últimos anos a enormes melhoramentos na forma como os partos hospitalares são conduzidos em Portugal, pelo que estou certo de que estamos a caminhar no sentido correcto. No entanto, existem diversos aspectos da humanização que têm muito a ver com aspectos culturais, relacionados com o respeito e preocupação genuínos pelo próximo; de forma a se evitarem comentários paternalistas, julgamentos desrespeitosos e conflituosidade desnecessária. Estas alterações levam tempo a acontecer e dependem muito das opções tomadas na educação das gerações mais novas.

Permitir à mulher fazer escolhas informadas deve fazer parte do esforço de humanização de que tanto de fala nos serviços de saúde?
Claramente que as escolhas informadas devem fazer parte do dia a dia dos cuidados de saúde, incluíndo dos cuidados obstétricos durante o trabalho de parto. A meu ver, este é o aspecto mais relevante do parto respeitado.

Por que razão se perpetuam práticas e intervenções médicas que, está cientificamente provado, são prejudiciais para a saúde da mulher e do bebé?
Não é fácil alterar rotinas utilizadas nos hospitais há muitos tempo com a plena convicção de que são benéficas. Não basta questionar a utilidade dessas rotinas de acordo com a evidência científica. É necessário que os profissionais ganhem confiança pessoal com a implementação das mudanças e possam comprovar as suas consequências benéficas. Tudo isto leva tempo e é dificultado pela realidade dos Blocos de Parto, onde trabalham um número elevado de profissionais em esquema de turnos, tornando as reuniões colectivas difíceis de concretizar.

Concorda com a criação de alternativas, no âmbito do sisterma nacional de saúde, ao nascimento hospitalar (casas de parto, nascimento no domicílio...)?
Sempre fui um defensor das casas de parto contíguas aos hospitais com cuidados obstétricos, onde as parturientes de baixo risco poderiam optar por ter o parto orientado por enfermeiros especialistas. Estas casas de parto necessitam de um acesso rápido a cuidados obstétricos urgentes. Tenho sérias dúvidas que o parto domiciliar seja uma alternativa viável e segura em Portugal. Ao contrário do que acontece em outros países europeus onde o parto domiciliar é uma realidade relevante, em Portugal existem grandes distâncias entre muitas povoações, o que dificulta o acesso rápido a cuidados médicos, tornando o parto domiciliar potencialmente mais arriscado.

Retirado da revista IOL MÃE
http://www.mae.iol.pt/artigo.php?id=952613

O que é um parto respeitado?

Margarida Gonçalves Piló
Foi Vice-Presidente da Humpar*. É psicóloga e tem três filhos.

O que é um parto respeitado?
Um parto respeitado é a apoteose de uma longa caminhada que a Mulher constrói ao longo da gravidez, procurando junto do Profissional de Saúde o apoio, a confiança e a informação necessária para que possam ser negociadas decisões, respeitando acima de tudo a sua vontade e individualidade. É um parto em que a Mulher assume o papel principal, sendo respeitados os seus desejos, a sua realidade única, os seus direitos e as suas escolhas, proporcionando assim uma experiência única que proporcione uma memória positiva e dignifique o momento mais importante da vida de uma Mulher: o nascimento de um filho. Para que um parto seja respeitado é preciso informar, saber ouvir, sentir, saber esperar, confiar!

Há partos respeitados nos hospitais portugueses?
Nos Hospitais Portugueses há ainda muita resistência à mudança, fruto de anos e anos de práticas que criaram um mecanismo que já está, neste momento, impregnado nas paredes e nas mentalidades de cada um. Existem vários profissionais verdadeiramente interessados em alterar o panorama do nascimento nas instituições, mas o seu espaço de manobra é ainda muito reduzido e, por vezes, acabam por ter que se render à pressão de colegas e protocolos desactualizados. Também já começam a conhecer-se histórias bonitas de nascimentos verdadeiramente respeitados e experiências dignificantes que irão, sem dúvida, marcar positivamente e para sempre a vida das mães, dos bebés e das famílias que os protagonizaram. Muito (mesmo muito) há ainda a fazer, existem movimentos, associações, empresas, profissionais e pessoas singulares dispostas a dar o seu apoio para que a mudança nas instituições possa vir a ser uma realidade. Ninguém tem a ilusão de que esta mudança se pode fazer de um dia para o outro, mas acreditamos que todos os dias se pode dar mais um passo!

Permitir à mulher fazer escolhas informadas deve fazer parte do esforço de humanização de que tanto de fala nos serviços de saúde?
O acesso à informação é o primeiro passo para qualquer processo de autonomia e liberdade. No que diz respeito à gravidez e ao parto, é aterrador verificar que a grande maioria das Mulheres tem um enorme desconhecimento relativamente à sua própria fisiologia, às possíveis consequências de determinados procedimentos e intervenções, às evidências científicas, às necessidades do bebé, às suas opções, relegando o seu papel para um segundo plano em que não há lugar para escolhas pessoais ou decisões negociadas. É dever dos Profissionais de Saúde dar acesso a informação fidedigna e criar espaço para o diálogo e a negociação, de forma a que cada Mulher possa fazer escolhas informadas de acordo com a sua realidade única. A humanização passa inevitavelmente pela informação e pelo respeito, é algo muito mais profundo do que dizer palavras simpáticas, dar um carinho ou contar uma piada no bloco de partos.

Por que razão se perpetuam práticas e intervenções médicas que, está cientificamente provado, são prejudiciais para a saúde da mulher e do bebé?
O parto é, acima de tudo, um processo fisiológico e natural para o qual o corpo da Mulher está desenhado e preparado. Compreender essa fisiologia, bem como os processos emocionais que estão envolvidos, deveria ser a base da formação dos técnicos que trabalham na área de Obstetrícia. No entanto, o treino que estes profissionais recebem está totalmente orientado para a patologia e para a intervenção, deitando por terra a confiança na própria natureza e no processo natural do nascimento. Pelo receio de não controlar o processo e na ilusão de prevenir eventuais complicações, as intervenções médicas (que tantas vidas salvaram e ainda salvam) foram-se generalizando, deixando de ser utilizadas apenas em casos de real necessidade. O maior problema é que, muitas vezes, são as próprias intervenções que trazem as complicações... Assiste-se, actualmente, a uma massificação de práticas que buscam uma ilusória segurança, mas não respeitam evidências científicas, recomendações da OMS, direitos e desejos das próprias Mulheres.

Concorda com a criação de alternativas, no âmbito do sisterma nacional de saúde, ao nascimento hospitalar (casas de parto, nascimento no domicílio...)?
Definitivamente, sim! Com tantos bons exemplos em países próximos, bastando segui-los, não será difícil a Portugal criar as condições e as estruturas necessárias para que as Mulheres possam optar, sendo esse o seu desejo, por alternativas seguras, de qualidade e acessíveis. É urgente sensibilizar a população em geral para esta questão, de forma a reivindicar, junto das entidades competentes, o direito à alternativa.

Retirado da revista IOL MÃE
http://www.mae.iol.pt/artigo.php?id=953121
*A Humpar encontra-se em fase de pré-eleição de nova Direcção.

O que é um parto respeitado?

Luísa Condeço Presidente da Associação Doulas de Portugal

O que é um parto respeitado?
Um parto respeitado é um acontecimento onde se devolve o protagonismo à mulher e às suas escolhas informadas e conscientes, onde os procedimentos médicos utilizados são usados por necessidade médica e não por rotina ou ritual médico/social. Um parto respeitado inclui as escolhas da mãe que promovem a sua auto-estima, a segurança e o conforto de todos os membros da família. Onde a informação é fiável, ou seja, baseada em evidências científicas, e onde se entende o parto como um acontecimento social, psicológico mas acima de tudo, sexual na vida daquela mulher. Onde o parto é um acontecimento único e especial na vida de cada mulher, única e especial também.

Há partos respeitados nos hospitais portugueses?
Posso dizer que por vezes ouvimos histórias e relatos de partos humanizados, alguns deles, vindos do H. S. João do Porto e do H. Garcia da Orta, mas em geral todos os outros relatos contam-nos de induções sem necessidade médica, infusão de soro, tricotomia, amniotomias e episiotomia sem prescrição médica. Mulheres ligadas ao CTG contínuo, deitadas grande parte do trabalho de parto, que têm os seus filhos deitadas de costas, sujeitas a puxos direccionados, afastadas dos seus bebés, bebés alimentados artificialmente sem igual necessidade médica, é o dia-a-dia nos Hospitais portugueses.

Permitir à mulher fazer escolhas informadas deve fazer parte do esforço de humanização de que tanto de fala nos serviços de saúde?
Parte daí, sim, mas não só. Há todo um processo longo que diz respeito aos serviços de saúde e seus profissionais. A maior parte das mulheres informa-se com o seu médico, que muitas vezes não está ao corrente das últimas evidências ou que por vezes, cada vez menos comuns, marca o seu parto tendo em conta a sua vida social. O esforço de humanização necessita de ser concentrado, de partir de um centro e espalhar-se, contagiar todos neste processo, desde as doulas, ainda muito poucas neste país, às enfermeiras carregadas de trabalho e mal pagas, aos médicos, muitas vezes fechados nas suas conchas receando processos, e às mulheres e suas famílias que se desresponsabilizam do maior e mais intenso momento das suas vidas. Penso que as doulas podem ter um papel muito importante, pois faz parte da sua formação conhecerem as orientações da Organização Mundial de Saúde e as evidências científicas em relação à gravidez e ao parto e promovem assim escolhas mais conscientes. É um longo e árduo processo mas vivemos numa época absolutamente extraordinária, fazemos todos parte de um momento histórico de mudança. Nem sempre é fácil, mas somos nós que temos que a fazer avançar, cada um de nós conta neste momento histórico neste país.

Por que razão se perpetuam práticas e intervenções médicas que, está cientificamente provado, são prejudiciais para a saúde da mulher e do bebé?
Esta pergunta é delicada. Muitas vezes são bons profissionais de saúde que aprenderam com os seus professores ou sempre assim fizeram. Muitas vezes aceitamos o qeu aprendemos na faculdade, pela boca dos outros, seja de que forma for, apenas porque questionarmos-nos dá trabalho, incomoda os outros e põe-nos numa situação delicada. Não creio que os nossos profissionais façam episiotomias de rotina porque lhes diverte cortar o períneo às mulheres. Não acredito que a tricotomia seja utilizada indiscriminadamente em muitas mulheres por uma questão de estética. Acredito sim que em boa fé isso é feito porque se aprendeu que assim era. E não se questionou. Nem ao professor, nem ao mestre, nem se discutiu alguma vez a sua indicação. Os cursos de enfermagem e de medicina precisam de uma grande viragem, com cadeiras dedicadas à humanização do nascimento e de outras áreas da saúde, e observação profunda aos erros que cometemos até agora. Deveríamos incitar os nossos profissionais de saúde a questionarem as suas práticas e verificarem conscientemente se estas são baseadas em crenças ou em medicina baseada em evidências científicas.

Concorda com a criação de alternativas, no âmbito do sisterma nacional de saúde, ao nascimento hospitalar (casas de parto, nascimento no domicílio...)?
Concordo em absoluto que se criem alternativas para as mulheres que assim o desejem. Mas concordo ainda mais com a mudança de um sistema que, sendo utilizado por cerca de 99% das mulheres portuguesas, precisa de ajustes, ajustes esses que passam por uma maior dignificação da mulher, do devolver do seu protagonismo, nas suas escolhas informadas e conscientes. O sistema actual não permite que a grande maioria das portuguesas tenha acesso a procedimentos médicos baseados em evidências científicas, que tenham acesso a escolhas saudáveis para o seu nascimento como mães, o nascimento saudável dos seus filhos e das novas famílias que daí emergem. Daí concordar que as alternativas são importantes, mas que a humanização nos hospitais portugueses é algo necessário e urgente.

retirado da revista on-line IOL Mãe
http://www.mae.iol.pt/artigo.php?id=953891