Sobre o blog:

“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones

sábado, 28 de agosto de 2010

E foi assim que nasceu a Eva....

Mais um lindíssimo relato de um parto.
Foi um privilégio poder estar presente no nascimento da Eva.
Grata!

Escrevi este texto para mim (finalmente!) e por isso está longo e pormenorizado. Mas não podia deixar de ser assim pois é a memória bonita do nascimento da Eva e que espero poder contar-lhe um dia quando for crescida!



Resolvi partilhar porque ao longo dos últimos tempos também gostei de ler outras histórias como esta. E talvez algum dia tenham tempo, paciência e gosto para a ler... :)


Para as mulheres que sempre fizeram parte da minha vida e para algumas daquelas que só entraram recentemente; para a parteira e para as doulas que conheci nos últimos tempos (todas elas mulheres especiais!); para as amigas do coração, para aquelas que querem muito ser mães e também para aquelas que não querem mesmo ter filhos (pode ser que um dia mudem de ideias); para as que não perceberam porque quis ter um parto natural em casa e também para as que ficaram curiosas...


E finalmente para o homem especial que me acompanhou ao longo de toda a viagem!


Um muito obrigada pelos momentos que partilham comigo :)
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Eram 7h30 da manhã, depois de uma noite muito mal dormida com calor e sem posição. Acordei com contrações regulares de 5 em 5 minutos, daquelas ainda muito fraquinhas, um leve pulsar do útero. Mas já eram muito diferentes das contracções de Braxton Hicks que tinha regularmente desde as 22 semanas de gestação. Estávamos nas 40 semanas e era o primeiro sinal. Fiquei contente e com um ligeiro nervosismo.


O namorado ia sair para trabalhar e disse-lhe que o parto possivelmente aconteceria nos dias seguintes. Tomei o pequeno-almoço nas calmas e duas horas depois já não sentia nada. Fiz uma sesta pequena de manhã e outra depois de almoço.


Ao fim da tarde as contrações voltaram, agora 'mais a sério' e de 10 em 10 minutos. Estava um dia muito, muito quente e por volta das 19h/20h ainda fomos dar um mergulho na piscina dos sogros, pertinho da nossa casa. Tentei relaxar tal como fizera nas aulas de pré-parto aquático nos últimos meses e comecei a despedir-me da barriga! Jantámos e ainda fomos ver o 'Orgasmic Birth' pela primeira vez pois só tinhamos conseguido ter acesso ao documentário uns dias antes. E telefonei à doula e à parteira assim só de pré-aviso!


Já era meia noite, as contrações continuavam super regulares e cada vez mais intensas. Começava a sentir o cansaço do final de dia e não sabia muito bem o que fazer. Tentei descansar e deitar-me mas as dores e a posição eram insuportáveis. Tentei caminhar mas não me aguentava de pé. Experimentei diversas posições na bola mas também não me sentia minimamente confortável e, para além das contrações, comecei a ter uma forte dor por cima do osso púbico que nem me sentar deixava. Estava a ficar apreensiva até que me lembrei da cadeira de baloiço e... iupi!! Tinha encontrado uma posição muito agradável - sentada, muito inclinada para trás, mas sem baloiçar!


Levei a cadeira para o quarto e assim, ao longo da noite, o namorado ressonava na cama e eu dormitava na cadeira ao lado! A cada 10 minutos acordava com a contracção, respirava fundo e logo depois caía novamente num descanso profundo! Por estranho que possa parecer a noite passou num instantinho, e deu mesmo para descansar muito e bem! Sei que não dormi realmente, nem sonhei, nem me lembro de pensar em absolutamente nada, mas sei que a mente viajou por qualquer sitio muito, muito longe! :)


Às 4h da manhã tive de me levantar para ir vomitar e até ao início da manhã seguinte isso aconteceu mais umas 4 ou 5 vezes. Não eram vómitos de agonia, dava tempo de chegar até à casa de banho. (E nem foi nenhuma surpresa, já estava à espera que acontecesse, tal como tinha acontecido dois anos antes num aborto espontâneo por que tinha passado). Era o meu corpo a reagir e a descomprimir. Depois de vomitar o corpo ficava muito mais relaxado.


Eram 8h da manhã saltei da cadeira para um agradável banho de imersão na banheira de casa onde continuava a só me sentir bem na mesma posição sentada e inclinada para trás! Nessa manhã o namorado já não foi trabalhar e começámos a contar as contrações que estavam agora muito irregulares. Tanto vinham de 3 em 3 como de 7 em 7 minutos. Tanto duravam 30 como 50 segundo. Sentia-me perfeitamente bem, relaxada, descontraída mas comecei a ficar um pouco apreensiva pois não estava a perceber se alguma coisa estava a avançar ou não e se ía acontecer em breve ou não! Telefonei à parteira, expliquei as minhas dúvidas e acrescentei que não estava a fazer nada daquilo que tanto tinha lido em livros e praticado em aulas de yoga como exercícios na bola, caminhadas, visualizações, etc, etc! A parteira respondeu "Não tens de te preocupar com isso, cada mulher tem o seu registo!".


Pois é... tinha acabado de me relembrar a "lição" mais importante de todas!!! Todas as mulheres sabem parir!!! Tinha de confiar e seguir o meu corpo que me estava a guiar nesta aventura!! A verdade é que passei todo o trabalho de parto e parto: parada, sentada, em silêncio, de olhos fechados e sem pensar em nada!! Ou seja, não fiz absolutamente nada daquilo que imaginei que me iria apetecer fazer... mas sentia-me tão bem assim e o tempo estava a passar tão rápido que nem queria acreditar!!


Às 10h e pouco chegou a parteira e sugeriu que eu saísse do banho e fosse para o quarto para me observar e ver como é que as coisas estavam à andar:


— Está tudo bem encaminhado... óptima posição da bébé... batimento cardíaco excelente... – e ainda acrescentou – está cá fora à hora de almoço!


— SÉRIO????????????? – Eu nem queria acreditar no que estava a ouvir! Que falta de noção a minha! E eu a julgar que a bébé só nascia lá para o fim do dia ou no dia seguinte!! É que até ali o tempo tinha passado mesmo muito rápido e estava a ser tudo muito mais fácil do que eu tinha imaginado!


E momentos depois, ainda deitada na cama... SPLASHHH!!! Aí foram as águas para cima da cama, do chão e da parteira! Ups...! Que sensação estranha de "incontinência" repentina e abundante! A dor/pressão que tinha na zona púbica, e que me obrigava a estar sentada e inclinada para trás, simplesmente desapareceu! Logo depois fui tomar um duche enquanto a parteira e o namorado preparavam a piscina de parto. E entretanto chegou a doula.


Logo depois, talvez por volta das 11h, entrei na piscina e foi muito bom poder estar novamente semi-submersa na água, super-relaxante! Estive mais uma hora nesta fase final da dilatação, de um lado agarrava a mão ao namorado e do outro a doula! Felizmente, apesar de supostamente serem as contrações mais fortes e finais antes da fase da expulsão, não eram tão intensas quanto imaginei, entre elas conseguia relaxar e continuava a minha minha viagem mental, que no meio de tão grande cocktail de hormonas já era muito para lá doutra galáxia!!! As contrações chamavam-me ao planeta terra, e sempre de olhos fechados e em silêncio lá respirava fundo e apertava as mãos do namorado e doula com muita força! Entretanto até comecei a ficar com as mãos dormentes e tive de ir alternando a posição - o que na água felizmente é bastante fácil!


Comecei a sentir uma ligeira vontade de fazer força, estava a entrar na fase da expulsão e muitas sensações começaram a mudar. As contrações eram bastante espaçadas, pouco intensas e nada dolorosas, quase que as conseguia ignorar não fosse a pressão da cabeça da bébé que me relembrava/obrigava a fazer força! E que força que tinha fazer, uff!!! E a bébé ajudava empurrando com os pés a parte de cima do útero (fantástico)!


Entre as contrações tentava relaxar muito. O namorado respirava profundamente, com a cara perto da minha, o que ajudava muito a manter a respiração controlada. Do outro lado a doula segredava-me o quanto todo o trabalho de parto estava a evoluir muito bem – o que me tranquilizada e dava segurança. Quando me apetecia pedia água e também para me molharem a testa com um pano de água fria. E os copos de água morna que tiravam da piscina e me deixavam escorrer pelas costas abaixo eram extremamente relaxantes!!


Nesta altura ia alternando as posições, ou estava de barriga para cima de mãos dadas à minha equipa(!) ou de barriga para baixo, ajoelhada e apoiada na borda da piscina. Ao contrário da fase de dilatação em que não pensava em nada, na expulsão apesar de continuar de olhos fechados e em silêncio fartava-me de "conversar" comigo própria – "Vá... tens de fazer mais força para conseguir pôr a criança neste mundo!!!".


A doula e parteira incentivaram-me a libertar-me mais e a vocalizar o que sentia nas contrações... e lembrei-me dos meus treinos de kung-fu e quando vinha a vontade de empurrar: HAAAAA!!! Não eram gritos de dor, mas sim de muita força e determinação!!! E de facto ajudava e muito! Depois, entre as contrações voltava a relaxar!


Algures ali pelo meio lembro-me de comentar "Estou cheia de fome!!!" Nunca imaginei que fosse sentir e dizer isto a meio do trabalho de parto! Mas era verdade!! E era normal... tinha vomitado tudo o que tinha comido nesse dia até ao momento. Mas estava demasiado fora da 'realidade normal' para conseguir comer o que quer que fosse!!


Ao contrário de toda a noite e início da manhã - em que o tempo tinha passado a correr, na piscina comecei a ficar com a sensação que já estava ali há muito tempo e o trabalho de parto não estava a evoluir. No fundo sentia-me super bem no meio da piscina, mas não em trabalho de parto! Meio na dúvida disse à doula "parece que não está a acontecer nada!?" Mas estava!!! A parteira sugeriu que eu tentasse tocar na cabeça, e de facto... IUPI!!! Estava ali, mesmo quase, quase, já conseguia tocar no cima da cabeça que estava a aparecer, e sentia perfeitamente um bocadinho de cabelo!!! O ânimo voltou!!! Ainda me perguntaram se queria sair da piscina para o banco de partos... e ponderei por segundos, mas sentia-me ali tão bem, (bolas!!) havia de conseguir pôr a criança cá fora!!! Estava era demasiado relaxada, sentia que me estava a faltar aquela adrenalina necessária para o empurrão final!


Entretanto, a parteira e a doula sugeriram que a bébé só ainda não tinha nascido porque eu estava era à espera que a minha mãe chegasse. Não tive consciência dessa questão na altura mas hoje acho que é bem verdade!!


Por volta do 4/5 mês de gravidez, depois de resolvidas umas tantas complicações (descolamento da placenta e placenta prévia), quando decidimos que o parto ia ser mesmo em casa optei por não falar disso com absolutamente ninguém, excepto com a minha mãe que reagiu mais ou menos assim:


— Um parto em casa??? Oh filha... estás MALUCA!?


— Não, não estou... E quero que tu estejas lá! :D


— O QUÊ????? NEM PENSAR!!! Era lá capaz de te ver sofrer!


Lá expliquei que ia ter um parto magnífico tal como queria! Seria um disparate partir do preconceito que o parto é igual a sofrimento (mas ela não conhecia o 'Orgasmic birth' por isso tinha de dar um desconto!!!). E tinha a certeza que ela ia adorar estar presente! Ao longo dos meses seguintes fui-lhe enviando videos de partos naturais e a futura avó lá se foi habituando mais ou menos à ideia.


Mas ao chegar a altura do parto achei que seria melhor não a chamar muito cedo. Não queria ninguém nervoso ao pé de mim! Por isso só a chamámos a meio da manhã e dissémos para vir pela hora de almoço (como se ainda faltasse muito para o grande acontecimento). Ela lá pensou que ainda tinha imenso tempo, ainda foi comprar comida e acabou por se perder no caminho (tinhamos mudado de casa há pouco tempo). Chegou uma hora atrasada, mas muito calma e sorridente como se nada fosse... e só quando entrou no quarto e viu a parteira e a doula é que percebeu que estava em cima da hora! E assim foi... uns 15 minutos depois dela chegar a bébé estava cá fora, eram 14h!


Tive de fazer muita força para a cabecita vir cá para fora e ia ouvindo a equipa a comentar "Olha a testa!... As orelhas!... O nariz!..." E aí pelo meio senti perfeitamente o "anel de fogo" (fantástico!), aqueles breves momentos mágicos que recordo com carinho e me fazem sempre evocar a imagem de um eclipse total do sol – quando num alinhamento perfeito – a lua se coloca entre a terra e o sol deixando à vista apenas o brilho intenso da coroa solar!


E assim nasceu a Eva :)


Meio atordoada peguei-lhe pelos braços ainda na água e puxei-a logo para o meu colo (não fazia questão que ela nascesse mesmo dentro de água, mas sempre tinha imaginado que se isso acontecesse, gostaria que o momento de emersão fosse mesmo muito calminho e suave, mas na altura lembrei-me lá disso!!!). Nem queria acreditar que a bébé já estava ali, tão calminha, com os olhos tão abertos, meio desorientada mas sem chorar, fez apenas uma choraminquice uns momentos depois! Colocámos uma toalha à volta e um gorro para não arrefecer e ficámos os três num grande abraço mágico! Passado pouco tempo e com alguma falta de jeito (minha e dela) a Eva começou a mamar!


Entretanto esperámos que o cordão deixasse de pulsar antes que o namorado (agora pai!!) o cortasse. Talvez uma meia hora depois, a parteira puxou suavemente o resto do cordão e a placenta saíu quase sem eu dar por nada. Segundo a parteira e a doula o cordão era invulgarmente grande e espesso. E pudémos ver com curiosidade a placenta e a membrana fetal que saíu quase intacta mas também era invulgarmente dividida em duas "secções", onde numa estaria a bébé e na outra não se sabe. Ficará a dúvida se no início dos inícios teria começado por ser uma gestação gemelar. Um dia quando tiver tempo hei de ler mais sobre 'gémeos singulares'.


Saí finalmente da piscina, fui tomar um duche e a princesa foi para o colo do pai! E agora já tinha mesmo vontade de comer – que fome!!! Durante toda a tarde continuei a sentir-me cheia de força e energia, mas o corpo relembrava-me o esforço das horas anteriores e quando me levantava ficava um bocado tonta!


As horas seguintes passaram demasiado rápido, acho que me senti a pairar, algo entre o incrédulo e o extasiado! As hormonas são mesmo muito poderosas... durante mais de 24 horas fiquei nesse estado difícil de definir. E as emoções foram mesmo inesperadas... só no final do dia seguinte é que olhei para o rosto da bébé e pela primeira vez desatei a chorar de felicidade!!!!


Agora olho para trás, dois meses depois, e estou cada dia mais feliz por isso não consigo dizer que o nascimento da Eva foi "o dia mais feliz da minha vida" mas foi, sem dúvida, o dia mais poderoso e transformador de todos!!!


Adorei o facto de me sentir em segurança, num ambiente confortável, com todas as pessoas que eu escolhi (e somente elas e mais ninguém), sem medos, sem stress, sem pressões de tempo e principalmente sem nenhuma intervenção desnecessária. Acredito que é a forma mais feliz e saudável para um bébé nascer!


Muito do que aqui escrevi resulta de conversas posteriores que tive com quem esteve presente (é a racionalização do momento!). Na realidade, durante o parto, tive muito pouca noção do que estava a acontecer para além do que eu sentia e da viagem que estava a fazer. Se nos permitirmos a essa libertação entramos mesmo noutro estado de consciência. Nunca soube que horas eram, em que fase do trabalho de parto estava, quantos dedos de dilatação tinha ou não, o que é que os outros estavam a fazer e deixei-me guiar apenas pelas minhas próprias percepções e sensações. Essa sim - é a verdadeira viagem – uma experiência fascinante que é muito difícil de traduzir em palavras. Foi lindo, lindo!! :)
Liliana Lopes Cardoso

3 comentários:

Li disse...

Que relato tão lindo de um parto:) Parabéns pela Eva.
Emocionei-me:)
Beijinho

moya disse...

Muitos Parabéns!
Bonito relato!
Muitas felicidades!!
m.

Didi e Pepe disse...

maravilhoso!!!!!!
uniko!!!!!!!!!
memoravel!!!!!!!!!!

parabens e muitas felicidades
bjk fofos
lia, didi & pepe20m