Sobre o blog:

“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones

quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Relato de Parto

Uma carta muito especial que a S. escreveu para a sua linda Violeta.

Lisboa, 15 de Setembro de 2010



Meu amor,
No dia em que te revelaste a minha vida mudou, ganhou uma luz e uma cor infinitas.


Depois de tantos anos de espera, afinal vieste na hora certa, quando nós menos esperávamos anunciaste a tua vinda de uma forma surpreendente, numa consulta de infertilidade a que eu fui sozinha, um pouco às escondidas do pai! É que ele estava mais seguro de que tu virias!


Fiquei toda orgulhosa da minha barriga assim que soube que já estavas connosco, às 12 semanas de gestação. Foi esse um dos momentos mais inexplicáveis da minha vida, cheio de uma alegria incomensurável.


Após 40 semanas e cinco dias, a saída do rolhão mucoso, que ocorreu por volta das 3h30 da manhã de 5ª feira, anunciou o início do trabalho de parto, o que me deixou contente e entusiasmada... a viagem final havia começado! Voltei a deitar-me tentando esperar serenamente por mais alguns sinais que confirmassem o início da tão esperada viagem e acho que consegui descansar, mas ao longo de um sono intermitente. De manhã avisei o pai de que estávamos próximos de te ver cá fora. As contracções começaram de forma bastante irregular, muito alternadas, com intervalos muito dispares... apelaste desde o início a algo que nunca tive em demasia... calma, muita calma e entrega cega à sabedoria do meu corpo e do amor.


Nesse dia o pai ficou em casa e juntos esperámos que os sinais se fossem revelando para que pudéssemos perceber em que fase estávamos e afinal quantas horas demorariam até te termos nos nossos braços. Ao início fizemos um registo das contracções, mas depois desistimos, o corpo saberia o que fazer.


As contracções foram vindo e intensificaram-se ao longo de um período que acabou por se tornar mais longo do que esperávamos, mas a partilha intensa de cada segundo permitiu que o tempo passasse sem nunca perdermos o ânimo.


Procurei todas as posições, usei a banheira para descontrair enquanto a água morna me escorria pelas costas, pus-me de gatas, sentei-me, deitei-me, mas só o constante movimento parecia ajudar, por isso mantive-me em movimento o mais possível.


Na 6ªfeira à noite o cansaço começou a mostrar-se, mas nunca desanimá-mos e de madrugada vieram as contracções fortes e ritmadas que me fizeram ir buscar forças ao amor imenso que oxigenava o ar. O enfermeiro-parteiro chegou por volta das 5h da manhã e fez-me um primeiro toque. Notei que alguma coisa parecia estranha, mas continuei a fazer o que a natureza me mandava sem duvidar que nos iríamos encontrar daí a algum tempo, fosse ele qual fosse. Comecei a sentir uma enorme vontade de fazer força, mas as forças já estavam a escassear, foi quando o António confirmou num segundo toque que aquilo que sentira anteriormente não era efectivamente a tua cabeça, mas sim uma nádega. Depois de tantos meses em posição cefálica tinhas decidido sentar-te.


Foi o momento de adoptarmos o plano B, seguirmos para a maternidade. Tinha apenas um t-shirt vestida, pus um robe por cima e dirigi-me ao carro.


5 minutos depois, cerca das 9h40 entrámos na porta das urgências da MAC, apenas alguns minutos depois separámo-nos do pai e do sonho que tínhamos tido de ver-te nascer em casa. Levaram-me para o bloco operatório e às 10h12, após uma cesariana, tu nasceste. Tão inesperadamente como te tinhas anunciado nas nossas vidas.


Do que mais tenho pena é de não ter sentido a tua pele nua e macia a tocar a minha, de eu e do pai não termos sido os primeiros a sentir o teu calor, os primeiros a sentir o teu cheiro... durante aqueles minutos é como se te tivéssemos perdido num vazio. Questionei-me sobre a justiça do Universo, depois de tantas horas juntos, os três a vibrar em conjunto, foi-nos tirado esse momento, foi como se houvesse um lapso na nossa história. Estive adormecida no momento em que nos separámos pela primeira vez depois de uma caminhada de 9 meses vivida com tanta intensidade. Gostava de ter-te proporcionado um momento mágico, mas acredito que tenhas escolhido nascer assim, que tenha sido uma conspiração favorável à nossa evolução, afinal de contas, o Plano é perfeito, embora muitas vezes não o pareça aos nossos olhos.


Estava ainda atordoada quando te vi, queria chorar de alegria mas não consegui, senti que nos tinham roubado aquele momento, foi tão estranho, tão confuso, mas só temos o poder de decisão no Agora, por isso preferi seguir em frente e ficar a olhar para ti a beber da serenidade que emanavas, imperturbável, qual anjo capaz de transformar o pior dos momentos. Apaixonei-me assim que te vi, deixei-me perder na tua luz e é assim até hoje, esta linda Violeta que nos escolheu a nós para a acompanhar na sua caminhada e é tão boa esta sensação de que, afinal, apesar de não ter acontecido como planeámos, passámos por tudo juntos, alimentados por um amor que apenas tem mudado para se tornar cada vez mais forte.


Fiquei contente de saber o teu peso... sempre tive medo de pegar em bebés demasiado leves... 3.825 kg, “boa! é boa de pegar”, pensei... o nosso tesouro! E foste sempre a maior da enfermaria, havia quem pensasse que eras um rapaz, a nossa doce Violeta!


“Se soubesse o que sei hoje” não mudaria nada, cada segundo, nada, porque estás aqui connosco e todo este processo foi fundamental aos 3.


Se a forma perfeita de nascer é rodeada de amor profundo, então tiveste o nascimento perfeito, meu amor.


Obrigada por nos teres escolhido.
 
S.

3 comentários:

Sofia Batalha disse...

Lindo :)* A Violeta vai adorar ler e sentir o amor todo que emana desse texto.

Sara Rainbow Soul disse...

É maravilhoso!!! Obrigada S. por partilhares, estou muito comovida e nem tenho palavras...
Sou a Sara e a minha Violeta nasceu em Abril, também na MAC.

Patricia S disse...

Obrigada pela partilha. Depois de um parto domiciliar em que a bebé não vinha na posição correcta no início, foi-me dito que seria um bom motivo para uma cesariana em meio hospitalar. Este relato dá-me alento no coração para sentir que numa situação destas, está tudo certo! É só deixar o Amor fluir...
Obrigada mais uma vez.