Maria João Amorim http://www.mae.iol.pt/
Induzir o parto é, hoje, uma das práticas mais comuns em obstetrícia. Induz-se porque o bebé «passou do tempo», mas ao contrário do que poderá pensar-se, a indução do parto não é um procedimento isento de riscos.
O dia estava marcado. Seria dali a uma semana. «Esse bebé que não saia antes de quarta-feira...», ressalvava a médica no final da consulta.
Joana Marques e o marido riscavam no calendário os dias que faltavam para o nascimento do primeiro filho de ambos. Era estranho saber, com antecedência, o dia em que veriam Pedro pela primeira vez, mas a médica defendia que a indução do parto era a forma de «garantir que tudo estaria sob controlo». Um argumento de peso para uma grávida no fim do tempo de gestação. «Não consegui dizer que não, mas tinha a ideia de que não era necessário provocar o parto. Eu estava bem, o bebé estava bem. Porquê induzir? Além disso, achava que era emocionante passar pela ansiedade da espera.»
Uma sensação que Joana não viveu. Tal como programado, Pedro nasceu alguns dias depois, às 39 semanas e quatro dias, num hospital privado de Lisboa. Joana chegou à maternidade às primeiras horas da manhã, foi submetida a uma medicação para estimular o início das contracções, epidural para controlar a dor e aguardou que o corpo obedecesse aos fármacos.
O filho nasceria dez horas depois. Um parto «chocho» e sem grande emoção: «Faltou ali qualquer coisa», recorda Joana, três anos depois.
Nascer com dia e hora marcada é, cada vez mais, uma prática comum em Portugal. «Banalizou-se muito a ideia do parto induzido», critica Diogo Ayres de Campos, director da Urgência de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital de São João (HSJ), no Porto. Particularmente, «as induções sem motivo clínico», que o responsável acredita serem frequentes a nível nacional.
Quantas partos induzidos ocorrem em Portugal, ninguém sabe. Luis Graça, presidente do Colégio de Ginecologia e Obstetrícia da Ordem dos Médicos (OM), afirma que este é um assunto «que não está minimamente estudado no nosso país» e que não existem estatísticas nacionais sobre indução do parto. Há, no entanto, outros números que podem ajudar a compreender a dimensão do fenómeno. Joaquim Gonçalves, do serviço de Obstetrícia do Hospital Geral de Santo António, no Porto, compilou alguns dados internacionais: actualmente, 20 a 30 por cento dos partos resultam de uma indução, com destaque para os nascimentos ocorridos em unidades de saúde privadas.
A escalada dos valores é a tendência observada ao longo dos últimos anos. Entre 1990 e 2003, o número de partos provocados subiu 25 por cento. A indução por conveniência representa, actualmente, cinco por cento do total de partos. O médico apresentou estes números no simpósio Clínica do Parto, que teve lugar no passado dia 13 de Abril, em Lisboa.
Como «áreas de controvérsia» elegeu a indução programada e a gravidez tardia, motivo frequente das induções registadas em todo o mundo. Temas polémicos, porque a indução do parto não é uma prática isenta de riscos. «Não podemos ocultar as consequências desta técnica», afirmou Joaquim Gonçalves. «É preciso criar uma consciência do risco.»
Conveniência e riscos Joana nada sabia sobre os possíveis riscos da indução do parto. «Foi uma opção que sempre me foi apresentada como isenta de complicações.»
Da parte da médica, a única garantia que obteve foi que a indução representava mais segurança para o bebé. Nunca a ouviu dizer, por exemplo, que havia a probabilidade de o parto terminar em cesariana. «Uma das principais causas do aumento da taxa de cesarianas é a indução do parto em grávidas que ainda não têm o colo do útero maduro», explica Luis Graça. Uma prática que o médico reconhece ser «comum» em Portugal.
Diogo Ayres de Campos aponta outras consequências dos nascimentos induzidos com fármacos: contracções mais precoces, partos mais dolorosos e incómodos, necessidade de outras intervenções. No HSJ só se fazem induções com motivos clínicos. «Fica tudo registado», esclarece o responsável. O controlo é feito, inclusive, de forma indirecta: «Verificamos sempre as razões das cesarianas e se houver alguma que tenha origem numa indução sem fundamento, questionamos o médico», explica Diogo Ayres de Campos. Esta postura fez com que, entre 2003 e 2004, o número de cesarianas registadas no serviço baixasse dez por cento.
A mesma filosofia orienta a equipa de Obstetrícia do Hospital Garcia de Orta, em Almada. Induções, só com justificação clínica. O hospital regista uma taxa de 16,7 por cento de partos induzidos.
Manuel Hermida, director de serviço, acrescenta que, para minimizar os riscos de cesariana, é preciso preparar o colo do útero antes da indução. Ou seja, «ir induzindo» com medicação e saber esperar. Uma situação muito diferente de «induzir para parir no mesmo dia», critica o responsável.
«Cinquenta por cento das grávidas a quem preparamos o colo do útero entram em trabalho de parto de forma espontânea nas 24 horas seguintes. Se o feto estiver bem, não forçamos.»
Joana não necessitou do bisturi para fazer nascer o filho, mas houve um momento, sabe-o, em que o desfecho poderia ter sido outro. «A dilatação parou nos quatro dedos e a médica falou-me na cesariana. Mas eu não queria passar por essa experiência. Pedi-lhe para esperar mais um pouco e ela concordou. Uma hora depois, o bebé nasceu.»
Gravidez tardia Maria Silva chegou ao final da gravidez cansada, pesada, farta: «Estava doida para que o bebé nascesse». A família não ajudava: «Sempre a perguntarem pelo dia do parto, sempre a pressionarem.»
Maria achou que por volta das 38, 39 semanas estaria «despachada». Mas às 40 semanas ainda tinha Filipe dentro de si, sem qualquer sinal de querer sair. «Não tinha contracções, só desconforto. Fazia avaliações todas as semanas, toques vaginais e nada. A certa altura, o médico disse-me que, se até às 41 semanas o bebé não nascesse, provocava o parto.» Foi um alívio.
No dia marcado, à hora combinada, Maria dirigiu-se à Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa. Foi encaminhada para uma enfermaria e medicada. Esteve o dia inteiro sozinha, deitada, ligada ao soro, sem poder comer. Não podia sequer levantar-se para ir à casa de banho.
Esperou horas e horas que as contracções tivessem início. Mas o corpo não reagiu aos fármacos e, ao principio da noite, os médicos acabaram por optar pela cesariana. Maria louvou a decisão: «Sempre quis fazer cesariana. Nunca me imaginei a ter um parto normal. Tinha muito medo das dores.»
Induzir o parto às 41 semanas é a prática dos hospitais em Portugal. «Nunca esperamos até às 42 semanas», confirma Paulo Moura, director da Maternidade Dr. Daniel de Matos, em Coimbra. «O risco de mortalidade fetal é um pouco maior», esclarece o médico.
Tão maior que justifique induções por rotina em gravidezes saudáveis? Paulo Moura afirma que a generalização da prática tem origem também em questões organizacionais: «Esperar até às 42 semanas implica uma maior vigilância da gravidez nesta fase. Mas nós não temos capacidade para fazer esse acompanhamento. Induzimos por rotina às 41 semanas porque é mais prático em termos de recursos humanos.»
«Perdeu-se a magia da espera» A doula Sandra Oliveira não percebe por que é que não se aposta nesse acompanhamento personalizado, em vez de induzir, por rotina, todas as gravidezes que ultrapassam as 41 semanas de gestação.
«A OMS só fala em indução do parto sistemática depois das 42 semanas», recorda a doula. «As mulheres deveriam ter, pelo menos, a hipótese de poder esperar.» Sandra Oliveira critica as «pressões» a que as grávidas estão sujeitas hoje em dia: «Da parte dos médicos, dos familiares, sempre a questionarem se o bebé não deveria já ter nascido. Perdeu-se a magia da espera.»
A doula defende que a ansiedade dos últimos dias pode ser «salutar e divertida». Há pequenas coisas que se podem fazer para evitar uma intervenção desnecessária.
Sobre o blog:
“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones
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