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“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Casas de parto não nascem, parteiras espanholas à espreita

As casas de parto, um meio-termo entre o domicílio e o hospital, são uma opção para quem deseja um parto natural e, como em Portugal não existe alguma, já há parteiras espanholas interessadas em abrir a primeira

Fundador da Associação Portuguesa de Enfermeiros Obstetras (APEO), Vítor Varela, que esteve em Novembro em Berlim - «onde existem cerca de oito casas de parto, todas ao pé de maternidades, para que, em caso de necessidade, a grávida seja deslocada de um local para o outro sem recurso a ambulâncias e sem que uma situação mais complicada chegue ao extremo» - lamenta que a realidade nacional seja «tão diferente».

«Em Portugal não existem casas de parto e a lei diz que o nascimento deve ocorrer em ambiente hospitalar», declarou, revelando que, todavia, «várias parteiras espanholas e algumas holandesas» já o sondaram sobre o assunto, tendo as espanholas perguntado mesmo «qual a viabilidade de montar uma no país».

Actualmente a trabalhar no Hospital de São Bernardo, em Setúbal, Vítor Varela - que até 2005 assegurou a presidência da APEO e representa os países do Sul da Europa na Confederação Internacional de Parteiras - afirmou que, em Portugal, «a formação dos enfermeiros obstetras não é devidamente aproveitada».

«Aqui vivemos o modelo médico, em que não é reconhecida a qualificação e a responsabilidade dos enfermeiros obstetras, ou parteiros, apesar de estes serem abrangidos por uma directiva comunitária».

Segundo Vítor Varela, a directiva comunitária 2005/36/CE, de 7 de Setembro, aguarda transposição para o direito interno, existindo alguns pontos controversos para a comunidade médica no artigo 39º, relativo ao «exercício das actividades profissionais de parteira».

«Prescrever ou aconselhar os exames necessários ao diagnóstico mais precoce possível da gravidez de risco» (alínea c), «diagnosticar a gravidez, vigiar a gravidez normal e efectuar os exames necessários à vigilância da evolução da gravidez normal» (alínea b), «assistir a parturiente durante o trabalho de parto e vigiar o estado do feto in utero pelos meios clínicos e técnicos apropriados» (alínea e) são alguns dos tópicos problemáticas.

No artigo 39º também não são consensuais a alínea f, que autoriza os parteiros a «fazer o parto normal em caso de apresentação de cabeça, incluindo, se necessário, a episiotomia, e o parto em caso de apresentação pélvica, em situação de urgência» e a alínea g, que capacita estes esfermeiros para «detectar na mãe ou no filho sinais reveladores de anomalias que exijam a intervenção do médico e auxiliar este em caso de intervenção e tomar as medidas de urgência que se imponham na ausência do médico, designadamente a extracção manual da placenta, eventualmente seguida de revisão uterina manual».

«Sem que seja elaborado e reconhecido, após aprovação pela Ordem dos Enfermeiros, um Regulamento de Actividades que contemple todos os pontos da directiva, a autonomia das parteiras ou parteiros está sempre posta em causa», destacou Vítor Varela.

«Se uma mulher quiser ter um filho em casa, pode escolher uma parteira ou parteiro da sua confiança, mas este não tem protecção legal caso algo corra mal, pelo que muitos recusam fazê-lo independentemente de terem competência para isso», afirmou o ex-dirigente da APEO, acrescentando que «aqui mesmo ao lado, em Espanha, existe a associação Nascer em Casa, que tem uma a duas parteiras em todas as capitais de província».

Em contraste, «em Portugal, deixou de haver o verdadeiro cuidado pré-natal, aquele que mantém a futura mãe informada», criticou o enfermeiro, exemplificando que, «enquanto em Berlim as grávidas são analisadas caso a caso, no nosso país ainda há centros de saúde sem enfermeiras especializadas em saúde materna».

«A política de saúde tem de incluir estas pessoas, até porque a sua formação custa caro ao Estado português e depois não é aproveitada», sublinhou, concluindo que, neste caso, «perde a pessoa que se formou, perde a grávida, que podia desfrutar de outro acompanhamento, e perde o país».

Defensor de que «dar à mulher a hipótese de um parto natural é uma missão do serviço público», o enfermeiro tem investido nesta área e fez, com a sua equipa, um projecto em que apurou «que meios técnicos e humanos e que alterações estruturais seriam necessárias para fazer o trabalho de parto na água» no Hospital de São Bernardo.

Entregue em meados de 2006, a proposta «está em análise e ainda não estão reunidas as condições necessárias para a pôr em prática», segundo o gabinete de comunicação do Centro Hospitalar de Setúbal.

Entretanto, e enquanto em Setúbal o projecto tarda em arrancar, a 7 de Fevereiro o Porto vai acolher uma reunião da Confederação Internacional de Parteiras, que terá a presença de representantes de Espanha, Itália, França, Grécia, Malta, Chipre, Roménia e Líbano com vista à criação de uma norma de procedimentos a adoptar para a realização de partos naturais.

O encontro agendado para o Hotel Tuela, no Porto, tem lugar seis dias após a inauguração do novo bloco de partos do Hospital de São João, onde trabalha Elisa Clara Santos, enfermeira de saúde materna e obstétrica (ou parteira, como prefere ser designada) que é capaz de fazer horas-extra para acompanhar uma grávida que opte por dar à luz naturalmente.

«O grande inimigo do parto natural é o relógio, pois aqui não há Buscopan para amolecer o colo do útero, nem há oxitocina para acelerar as contracções, pelo que o nascimento demora o tempo que demorar», explicou Elisa Santos, assinalando que um parto natural se inicia por si próprio, sem indução, e decorre ao ritmo de cada mulher.

Para esta parteira «o parto natural é mais instintivo, mas é aconselhável a grávida ter um plano de parto - elaborado com o companheiro, a parteira ou a doula [mulher que apoia a grávida durante a gestação e o nascimento do bebé] - em que diga que posição prefere para dar à luz ou como deseja contrariar a dor».

Mestre em Bioética, com a tese A dor e o sofrimento no trabalho de parto defendida em 2005 na Universidade Católica de Braga, Elisa Santos, de 43 anos, assegura nunca ter ajudado nenhuma mulher a dar à luz em casa, mas esclarece que «não é por ser no hospital que um parto fica isento de riscos».

«No domicílio, o maior problema é a capacidade de reacção em caso de distocia, quando o bebé fica entalado pelos ombros no momento da expulsão, ou de hemorragia uterina pós-parto. No entanto, no hospital há um risco acrescido de infecções», referiu a enfermeira, que possui formação específica sobre os partos naturais e para quem «o ambiente do lar faz muita diferença a nível psicológico».

Simpatizante também dos partos na água, a enfermeira do Hospital de São João, no Porto, esclareceu que estes não são uma possibilidade em Portugal, «nem em hospitais nem em clínicas, nem no público nem no privado».

«A água é um método natural para relaxar e aliviar as dores e o que eu defendo é a hidroterapia, mas se a expulsão do bebé se der no meio aquático não é nenhuma tragédia», afirmou Elisa Clara Santos, acrescentando que, caso a mulher faça esta opção, «a sua entrada na água não deve ocorrer antes de ter quatro a cinco centímetros de dilatação».

O Hospital de São João não dispõe de uma banheira adequada ao parto na água, nem é favorável à sua concretização mas, e se uma grávida levar a piscina de casa?

«Bem, aqui a protagonista é a mulher... Por isso, se a grávida trouxer os meios e assinar um termo de responsabilidade em como está consciente do que a sua decisão implica, em princípio a instituição terá de aceder», ponderou Elisa Santos, cujo nome surge indicado na página de Internet http://partoaquatico.net, que faculta mais informações sobre os benefícios da água no parto.

Ainda a propósito dos partos naturais, a enfermeira de saúde materna contou guardar o sonho de abrir uma casa de parto em Portugal, em princípio no Porto e talvez até perto do Hospital de São João.

«Eu e umas colegas já pensamos nisso há algum tempo. Teríamos de estabelecer um protocolo com uma instituição hospitalar e, eventualmente, com os bombeiros, para organizar o transporte em casos de emergência», revelou, garantindo que «já há espaço, material e recursos humanos mas, como não há legislação, por enquanto fica apenas o desejo».

Jorge Branco, presidente da Comissão Nacional de Saúde Materna e Neonatal, declarou que, «de momento, não existe legislação que permita» a criação de casas de parto no país, «nem a rede hospitalar portuguesa o prevê».

http://sol.sapo.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=78258

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