2009-12-13
CLÁUDIA LUÍS
Renunciar ao consumo para ganhar tempo para a família ou para quem precisa pode implicar a revisão de relações pessoais, sociais e dos valores individuais. Reaver o espírito natalício é um projecto para ousados.
O orçamento dos portugueses para o Natal de 2009 é inferior ao do ano passado em 3,7%. Mas a falta de disponibilidade financeira não trava o imperativo das compras da época. Na prática, têm um duplo desafio: gerir a conta bancária e os níveis de ansiedade. Menos pessimismo e mais razão. O consumidor português do Natal de 2009 está diferente em relação ao de 2008. Um estudo recente da Deloitte conclui que a crise económica ensinou as pessoas a comprar melhor e que uma nova geração de consumidores está em evolução.
Fugir da compra impulsiva, comparar preços, estar atento à inovação dos produtos são comportamentos do novo consumidor. "Dá preferência à utilidade e à durabilidade dos bens adquiridos e é cuidadoso na tomada de decisões. A crise tem sido uma experiência de aprendizagem para os consumidores. Este comportamento mais racional e cuidadoso veio para ficar, independentemente da diminuição da intensidade da crise", afirma Luís Belo, da Deloitte Portugal.
Ao analisar as intenções de compra dos europeus para este Natal, o estudo Xmas Survey 2009 revela que, em Portugal, há uma subida de confiança na recuperação económica. Apenas 59% dos inquiridos considera que a economia está em recessão, percentagem que contrasta com os 93% que pensavam o mesmo no Natal de 2008. Da mesma forma, enquanto que 77% dos inquiridos dizia, no ano passado, que o seu poder de compra havia reduzido, agora só 49% respondem da mesma forma. Contudo, este optimismo vem acompanhado de um sentimento de angústia. Os portugueses inquiridos acreditam na recuperação da economia, mas ainda têm um orçamento limitado para as últimas compras do ano. Então, como sobreviver às compras de Natal?
O medo da rejeição social, a explosão da sociedade de consumo, a entrada das mulheres-mães-avós no mercado de trabalho e a competição profissional empurram-nos lojas adentro. Não há tempo. É obrigatório não falhar: as crianças querem a mais recente consola, os adultos não perdoam um presente disfarçado de caro, sob pena de se sentirem desvalorizados. São valores virados do avesso. Somos mais vazios hoje e, por isso, compramos mais. Eis o Natal contemporâneo.
"O que compraria Jesus?" Frase provocatória, coloca o dedo na ferida dos cristãos que enchem as superfícies comerciais para celebrar o aniversário do nascimento de Cristo com uma espectacular troca de presentes. A frase deambula pelas lojas de um centro comercial de Michigan, Estados Unidos da América, numa das acções da campanha "Dia sem compras" que o movimento Adbusters conseguiu instalar em pontos estratégicos do planeta. E para todos a partir da Web.
Reza o manifesto on-line da Adbusters Media Foundation que "só há uma forma de evitar o colapso desta nossa experimentação humana no Planeta Terra: consumir menos". O movimento ganha a forma de uma rede global composta por "artistas, activistas, escritores, travessos, estudantes, educadores e empresários que querem avançar com o novo movimento de activismo social da Era da Informação". O objectivo é "abalar as estruturas de poder instaladas" e provocar uma "mudança radical na forma como vivemos no século XXI".
Este núcleo de activistas encontra no Natal a sua época alta. O momento de ataque da ideologia anti-consumista acontece agora. Recorrendo ao próprio marketing para servir o seu oposto, pode dizer-se que o 'especial de Natal' do "Dia sem compras" é o "Natal sem compras". E, tal como numa campanha publicitária regular, há criativos que desenham estratégias para mover pessoas. A diferença é que o objectivo é fazê-las resistir aos comportamentos consumistas mais descontrolados.
"Talvez o Natal não esteja numa loja, talvez o Natal signifique mais do que isso". "Tu não és aquilo que compras". Frases como estas não aparecem na televisão, na rádio, nem nas revistas. São plantadas nos locais mais procurados pelos consumidores para os confrontar. Fazer pensar.
Em Portugal, O GAIA - Grupo de Acção e Intervenção Ambiental, que organiza iniciativas como o "Dia sem compras", ainda não tem um plano para o seu "especial de Natal". Mas tem sugestões para compras com consciência. "Evitar grandes superfícies e marcas suportadas por trabalho infantil e exploração de trabalhadores", avança Pedro Gonçalves, da delegação do Porto daquele grupo. A alternativa passa pelo consumo de "produtos locais, o que elimina o problema do transporte; de produtos biológicos, que dispensam os químicos; e optar pelo comércio justo para comprar produtos que não tenhamos localmente, mas que sabemos que foram feitos com respeito pelos Direitos Humanos".
O problema adensa-se quando não há tempo para concretizar intenções. A psicóloga clínica Ana Queiroz aponta a falta de tempo como uma das razões para a perda do sentido de família do Natal a favor do Natal do consumo frenético. "Hoje a família inteira já não pode reunir-se durante 15 dias, cozinhar os doces em casa, fazer os próprios postais".
Perdeu-se a receita tradicional das rabanadas, há torres empilhadas de bolos-rei nos supermercados, os presentes que já estiverem embrulhados e prontos a levar têm prioridade, há gente sem fim a acotovelar-se junto às caixas registadoras. Em suma, "perdeu-se o verdadeiro espírito natalício - estar disponível para as pessoas, ser solidário", lembra Ana Queiroz.
O enigma de toda esta trama comercial está na convivência do consumo e do desemprego, que hoje apresenta o mais elevado nível de sempre. O orçamento é menor do que o do ano passado, indica o estudo da Deloitte. Falta a coragem para assumir um Natal sem compras. "O medo de ser excluído dos grupos sociais, o medo da rejeição", explica a psicóloga clínica, empurra as pessoas para as compras de obrigação. Na família, no grupo de amigos, no trabalho ou, simplesmente, em público, "hoje vivemos com a pressão de não sermos eliminados".
Segundo o mesmo estudo, tanto em Portugal como no resto da Europa, os livros são os presentes mais procurados para oferecer este Natal, reunindo 54% das intenções. Seguem-se prendas úteis como roupas e sapatos (53%) e, em terceiro lugar, 48% dos inquiridos diz que irá oferecer dinheiro.
Para Ana Queiroz, "os presentes deixaram de ser mimos, passaram a ser afirmações de estatuto social". Numa espiral de pressão, solicitações publicitárias e expectativas sobrevalorizadas, como escapar ao Natal dos cartões de crédito e manter ilesas as relações com os amigos, a família e as crianças? Simples: educar-se para educar.
"A pressão que se sente depende muito do tipo de ligação que temos com os outros. Se os amigos não entendem que este Natal não há dinheiro para presentes, então será preciso rever a relação com esses amigos", diz a terapeuta. Por sua vez, quando se trata do universo das crianças, "elas serão menos materialistas se os pais e os outros elementos da família valorizarem mais o que é criado por elas próprias", continua.
Se aquilo que as crianças observam à sua volta são pais que compram sem critério, que se subjugam à sedução do marketing e que deixam de entender quais são as suas reais necessidades de consumo, então será isso que as crianças tomarão como modelo de comportamento. "É errado receber um desenho que uma criança fez para nós e arrumá-lo na gaveta. Devemos expô-lo num lugar visível na casa. Isso vai valorizar e aumentar a auto-estima da criança. Dessa forma, ela será menos materialista", sustenta Ana Queiroz.
Daqui: http://jn.sapo.pt/Domingo/Interior.aspx?content_id=1446126
Sobre o blog:
“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones
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