Encontrei num blog brasileiro um texto lindo que descreve a partolandia.
A PARTOLANDIA
Existe um lugar secreto pra onde podemos ir. É um lugar pouco divulgado, antes
mais pessoas visitavam, hoje apenas uma minoria tem a oportunidade de ir até lá.
Mas todas as pessoas que já foram costumam descrever-lo como um lugar mágico.
Eu mesma nunca tinha ouvido falar. Depois que comecei a freqüentar grupos de
mulheres que relatavam seus partos passei a ouvir a tal frase misteriosa: "então
entrei na partolândia" e eu me perguntava: "que raio é esse de partolândia? Como
se faz pra ir até lá? Pra quê ir até lá? O que tem lá?".
Pra variar, fui estudar o assunto e descobri um mundo à parte. A verdade é que a
partolândia tem vários endereços. Ela está dentro de cada fêmea deste mundo. Não
é feita de conceito, não tem forma definida, não é construída através de cultura
ou criação. Ela simplesmente está lá. E não requer exercícios específicos,
treinamentos pra saber entrar nela. Nem se trata de um privilégio pra poucas.
Sendo uma mulher prestes a parir, já é suficiente pra se ter o ingresso nas
mãos.
O problema é que hoje em dia há trombadinhas especialistas em roubar tal
ingresso das mãos de mulheres em trabalho de parto. Nem sempre esses
trombadinhas são pessoas necessariamente. Algumas mulheres chegam a entrar na
partolândia e são arrancadas de lá. Outras nem chegam a conhecer esse
maravilhoso lugar e nem ficam sabendo de sua existência. Na verdade, alguns
trombadinhas são bem intencionados, mas por não saberem da existência da
partolândia e suas maravilhas, num ato que acreditam ser benéfico acabam tirando
essa oportunidade da parturiente.
Hoje em dia o maior medo de uma gestante é o de sentir muita dor no trabalho de
parto. É um pavor que vem sendo cultivado pela nossa sociedade através de uma
catequização constante de que o parto é sofrido e doloroso. Vemos mulheres
sofrendo horrores no parto em novelas, filmes e até programas de TV que prometem
mostrar um parto real. Quantas vezes assisti a partos Frank (frankstein) no
Discovery Home & Health com mulheres urrando de dor em posição frango assado
suplicando pela anestesia com médicos e enfermeiras ao seu redor fazendo toque a
todo momento pra saber a quantas anda a dilatação e falando o tempo todo com
essa mulher: "vamos, faça força! Respira! Vamos! De novo! No 3 hein! 1-2-3,
forçaaa!". A coitada lá, suando, fazendo respiração cachorrinho quando de
repente vem um anestesista e acaba com o sofrimento. Ela continua fazendo força,
mas agora não se sabe por que o bebê não sai. Gritam com ela: "você não está
fazendo força o suficiente! Vamos, força!". O bebê então entra em sofrimento
fetal visto através dos batimentos cardíacos no cardiotoco ligado desde o
momento em que a mãe chegou na maternidade. O médico apela pro fórceps de
alívio. Algumas vezes dá certo, outras não e a cesariana finalmente salva a vida
do bebê. Em novelas da Globo é comum ver mulheres com um pano na boca pra morder
de tanta dor, gritando e uma parteira molhando uma compressa (que até hoje não
sei pra que serve) numa bacia de água. Essas verdadeiras visões do inferno
contribuem pra que se propague cada vez mais uma visão negativa e aterrorizante
de um evento natural, fisiológico e cheio de significado na vida de um
ser-humano.
O medo da dor é reforçado através de relatos tenebrosos de parto normal que
sempre culminam em tragédias. Depois de muito sofrimento materno, a maioria
deles termina em crianças com retardo mental por falta de oxigenação, morte por
enforcamento pelo cordão umbilical, morte por decapitação pelo fórceps e outras
atrocidades. Geralmente as explicações são associadas ao corpo da mãe que não se
comportou como deveria ou por ser defeituoso (falta de abertura, falta de
dilatação, força insuficiente) ou como se fosse traiçoeiro (o bebê passou do
tempo e começou a sofrer dentro da mãe, por exemplo). Mas tudo isso eu já falei
em posts anteriores. O problema é que essa dor horrenda e esses episódios de
sofrimento materno e fetal têm em 99% dos casos alguns fatores em comum que são
ignorados pela maioria: ocorrem em maternidades, são explicados e registrados em
prontuários por médicos e a mulher encontra-se em uma situação sempre
semelhante: rodeada de pessoas (em sua maioria desconhecidas), num ambiente frio
com luz forte, posição frango assado, restringida, etc. E a grande maioria não
conhece a partolândia.
Seria o caso de perguntar: o que o hospital/maternidade tem a ver com o
sofrimento, com a dor com o fato dessas mulheres não conhecerem a partolândia? O
que a falta da partolândia tem a ver com o sofrimento? Afinal de contas...o que
é essa partolândia?!? Então vamos nos aprofundar mais nisso.
O ser humano tem o cérebro mais avançado do reino animal. Isso se deve à
formação do neocórtex, uma camada fina encontrada em volta do cérebro. O
neocortex é responsável pelos pensamentos, pelo raciocínio. Abaixo do cérebro
temos uma glândula famosa chamada hipotálamo. Ele é responsável pelo
comportamento instintivo de todos os animais, inclusive nós humanos. Controla o
sistema involuntário que mantém a temperatura, produz a fome quando precisamos
nos alimentar secretando hormônios que atuam nas glândulas supra-renais. As
supra-renais liberam outros hormônios que atuam diretamente no nosso
comportamento em diferentes situações. Portanto, é o Hipotálamos que desencadeia
processos primordiais para a continuação da espécie.
Para preservar a espécie, somos levados a dormir, acordar, caçar (na
antiguidade), comer, beber, fazer necessidades, fazer sexo, gestar, parir,
cuidar das crias, defender-se, fugir do perigo, etc. Cada comportamento é regido
por uma cascata de hormônios e neurotransmissores (substâncias cerebrais) que em
algumas circunstâncias podem ter sua secreção prejudicada pela ativação
inadequada do neocortex.
O neocortex é ativado através de estímulos externos que levam o individuo à
situação de alerta, como a necessidade de raciocinar. Perguntas, luz forte, ser
observado, etc. Quando o neocortex é ativado, o hipotálamo pode sofrer um
rebaixamento de sua atividade. Outras vezes, a ativação do neocortex leva a uma
interpretação da situação que exige que o hipotálamo secrete uma substância
contrária à que estava sendo secretada anteriormente. Por exemplo: uma
substância secretada no estado de relaxamento que pode levar ao êxtase ou ao
sono pode ser interrompida por um barulho que é interpretado como perigo levando
o individuo a secretar adrenalina. O mesmo ocorre quando se é tocado
repentinamente ou quando algo nos estressa. Pode ser o apito de uma máquina que
verifica os batimentos cardíacos, a cara de preocupação do médico, uma
enfermeira irritante, o marido nervoso, a sogra apavorada.
Então imaginemos uma pessoa adormecendo. Ela repousa num ambiente tranqüilo, com
pouca ou nenhuma luz, silencioso ou com um som de fundo quase que hipnótico, ela
vai se desligando dos problemas, dos pensamentos, entrando num estado de
consciência completamente diferente como se mergulhasse em si mesma e finalmente
dorme. A partir daí passa por vários estágios do sono a começar por alpha, que
serão repetidos algumas vezes durante esse período de descanso. Com certeza se
ocorrer um barulho, se acenderem uma luz forte na cara dessa pessoa, se tocarem
nela principalmente de forma abrupta, se começar a fazer muito frio, se
começarem a fazer perguntas ou se ela se sentir observada, seu estado muda
automaticamente para a vigília e o sono é interrompido. E assim é um trabalho de
parto (TP).
O TP deve ser comparado às necessidades básicas (principalmente dormir e fazer
sexo) porque é igualmente regido pelo hipotálamo. Quando nos deixamos levar pelo
TP em si sem nenhuma interrupção externa, sem nenhuma intervenção, somos
automaticamente levadas á partolândia. Portanto, a partolândia nada mais é do
que um estado de consciência que permite à mulher se comportar de maneira
instintiva. A introspecção é o primeiro sintoma e isso pode começar dias antes
quando a mulher começa a não querer participar de eventos coletivos e prefere
ficar em um ambiente que julga seguro (na maioria das vezes sua própria casa)
esperando a hora chegar. Quando o TP se inicia, a introspecção começa a ficar
mais evidente mostrando a necessidade de fazer uma viagem para dentro de si.
Em muitos relatos de parto natural (sem intervenções) observo que as mulheres
começam contando detalhadamente cada acontecimento e conforme o relato é
desenvolvido, os detalhes vão se perdendo. Isso se deve à mudança de estado de
consciência dessas mulheres que acabam por se desligar do mundo externo e entrar
na partolândia onde apenas sensações são registradas e os pensamentos são quase
inexistentes. Muitas vezes não se lembram quem estava presente, o que falaram.
Apenas as sensações são descritas e eu nunca li ou ouvi nada parecido com
sofrimento. Assim como quando dormimos ou temos um sexo satisfatório que nos
leva a um orgasmo.
Há tempos já se sabe as principais substâncias secretadas durante a estadia na
partolândia. No entanto, sabia-se apenas suas funções fisiológicas e que suas
quantidades se modificam em cada estágio do TP. A ocitocina é responsável pela
contração e a dilatação uterina. É a primeira a ser secretada no TP. As
endorfinas atuam como analgésicos naturais relaxando a musculatura esquelética e
diminuindo as sensações dolorosas. A adrenalina torna a atividade de expulsão do
feto, no final do TP, mais eficaz. Hoje já se sabe que a atuação dessas
substâncias vai além do físico alterando o comportamento, o que pode facilitar o
entendimento das necessidades da parturiente e inclusive saber quanto seu útero
está dilatado apenas observando como ela se comporta evitando, assim, toques
desnecessários que podem tirar a mãe da partolândia.
Nota-se que nos partos naturais, logo após o nascimento, a mulher tende a
posicionar-se de joelhos ou a sentar-se. Esta liberação de adrenalina é
favorável aos mamíferos em geral, pois coloca a fêmea em situação de alerta. O
bebê recebe parte desses hormônios do parto e, ao nascimento, está com as
pupilas dilatadas. Ambos, o bebê e a mãe, possuem então condições fisiológicas
para o contato olho no olho, fundamental na espécie humana.
A ocitocina é chamada de hormônio do amor por estar presente durante o orgasmo.
Assim como no parto, a mulher não consegue chegar às vias de fato se não se
entregar e se desligar do mundo externo. E só há entrega se ela estiver se
sentindo à vontade e segura, num ambiente que propicia a concentração. Durante o
orgasmo, assim como no TP, a ocitocina promove a contração uterina e é por todas
essas semelhanças que dizemos que o parto faz parte da vida sexual dessa mulher.
Portanto, o ambiente adequado pra ela parir é semelhante ao que ela considera
ideal para fazer sexo. Um ambiente inadequado pode gerar inibição, medo,
irritação e outras sensações desagradáveis que a fazem liberar adrenalina. Nesta
fase do TP, a adrenalina compete receptores sensoriais com a ocitocina, o que
quer dizer que a adrenalina inibe o efeito da ocitocina retardando o TP e
aumentando a dor. A partir do momento em que o bebê nasce, a taxa de ocitocina
na mulher chega ao seu ápice e é passada para o bebê através do cordão
umbilical. Desse modo, ao se olharem, mãe e filho criam um vínculo forte que
acelera o estabelecimento de uma interdependência que mais tarde culmina no amor
entre os dois.
A ação das endorfinas é potente. Até a mulher atingir 8cm de dilatação a dor vai
aumentando, porém continua suportável. A função da dor é estimular a secreção
das endorfinas que trarão uma sensação prazerosa e concomitantemente a
diminuição da dor. Principalmente se a secreção e propagação de endorfinas forem
aceleradas através do relaxamento muscular e da dilatação dos vasos sanguíneos.
Pra isso, existem métodos como massagem e água quente na região lombar.Se um
estímulo externo tirar a parturiente da partolândia causando susto,
constrangimento ou medo, ela liberará adrenalina que tem ação vaso-constritora
dificultando a chegada das endorfinas, o que aumenta consideravelmente a dor. A
partir da dilatação total (10cm), a maioria dos relatos revela que a dor
diminui, isso comprova que a secreção de endorfinas já está a todo vapor. São
opiáceos da família da morfina que não só tiram a dor mas ajudam a mulher a
entrar nesse estado de consciência alterado e prazeroso. Hoje é sabido que o
bebê também já secreta suas endorfinas e experimenta sensação semelhante durante
o parto.
Com dilatação total, a ação da adrenalina se torna importante para a fase
expulsiva do TP. Sua secreção nesse momento permite a ejeção. No sexo é
responsável pela ejaculação, na amamentação é responsável pela ejeção do leite e
no parto é responsável pela expulsão do bebê. A mulher se torna atenta, algumas
vezes agressiva na medida exata para finalizar o TP e para cuidar de seu bebê
assim que ele nasce. É comum ainda um estado de euforia devido às endorfinas
combinado com a sensação de extrema energia e alerta importantes nesse momento.
A dor simplesmente não existe mais. Os relatos são unânimes.
Durante a gestação, a mulher secreta prolactina que é responsável pela
fabricação do leite. Este leite (chamado de colostro num primeiro momento) é
armazenado nos alvéolos das mamas. Ao redor desses alvéolos existem células
musculares que ao se contraírem, fazem com que os alvéolos secretem o leite. No
momento do parto, o alto nível de ocitocina promove essa contração culminando na
ejeção do leite por conta da adrenalina. Esse é o motivo pelo qual o leite desce
mais rápido num parto natural.
Infelizmente, muitos médicos ignoram a partolândia criando protocolos infundados
nas maternidades cheios de intervenções invasivas e desnecessárias. O fato da
mulher ter de responder a uma série de perguntas faz com que ela ative o
neocortex por ter de raciocinar o lado primitivo do cérebro e, portanto,
dificultando o ingresso á partolândia. A sala fria desconcentra. Muitas pessoas
observando inibe. Toques vaginais freqüentes também. A luz forte ativa o estado
de alerta e o ambiente estranho gera insegurança. O fato da mulher ficar
restringida numa maca desconfortável sem poder mudar de posição é uma das coisas
que mais dificulta (se não impedir) o ingresso á partolândia. Além de
desconfortável e inibitória, a posição de frango assado (proibida durante toda a
gestação) faz com que o peso do útero e do bebê comprimam a artéria que leva
oxigenação para o bebê, além de impedir a ação da gravidade (utilizada no parto
de cócoras), o que dificulta a saída do bebê. Esta posição é a campeã de TPs
demorados regados a dor materna e sofrimento fetal por falta de oxigenação
adequada, culminando em intervenções que se não fosse tal posição seriam
desnecessárias.
Isto não quer dizer que uma mulher que não ingressa na partolândia não ame seu
filho ou não consiga amamentá-lo. Mas sem dúvida entrar em TP e realizar um
parto natural propicia uma experiência única para mãe e filho. Geralmente, ao
entrar na partolândia, a mulher vivencia um mergulho em si mesma que modifica
seu modo de ver o mundo e a si mesma. É uma experiência que permite o
auto-conhecimento num nível que de outra forma seria impossível. Ela experimenta
de forma intensa do que seu corpo é capaz e do que ela é capaz, mudando sua
auto-estima. Relatos constantemente descrevem que após o parto sentem-se capazes
de absolutamente tudo. Muitas inseguranças vão embora. É comum mulheres que
foram à partolândia mudarem seu comportamento com relação ao que a sociedade
preconiza. Segura de si, a mulher da partolândia dificilmente sucumbe aos
padrões estéticos, profissionais e morais ditados e acredita mais nas suas
vontades. Desse modo, desenvolve menos depressão pós-parto, menos problemas com
amamentação e vivencia um amadurecimento mais precoce.
Tal amadurecimento é vivenciado a partir do momento em que o vinculo mãe-filho
fortificado pela ação da ocitocina é, posteriormente, sedimentado pela
prolactina. A prolactina também tem um efeito comportamental. Ao passar pela
partolândia e ter altos níveis de ocitocina, esta felizarda mãe também
experimenta altos níveis de prolactina (níveis esses impossíveis de serem
alcançados por quem não foi à partolândia). A prolactina tende a provocar
estados mentais de subordinação e submissão às leis da natureza. Isto vem sendo
amplamente estudado e comprovado na Suécia. Esta subordinação aumenta a
adaptabilidade às necessidades do bebê. Este vem sendo apontado como um dos
motivos para que mães visitantes da partolândia terem maior sucesso na
amamentação.
A amamentação não é inata e nem fácil. Mas os altos níveis de prolactina
permitem uma melhor adaptação e uma maior força de vontade para driblar os
problemas e conseguir amamentar o bebê. Além disso, é comum que mães da
partolândia (como as índias e de mulheres de outros países também) amamentem
durante anos. Isto porque a modernização do parto juntamente com a necessidade
de trabalhar fora faça com que a prolactina seja liberada em menor quantidade e
por um período curto de tempo, provocando um desmame precoce.
São comuns as queixas de uma amamentação sofrida, cheia de frustrações e
sensações ruins que levam algumas mães e verem esse período com sofrimento e
sucumbirem a explicações sem fundamento do tipo: "tenho pouco leite" ou "meu
leite não sustenta" para justificarem um comportamento repulsivo á amamentação
que nem elas sabem explicar, mas que gera culpa. Já as mães que passaram pela
partolândia costumam relatar experiências felizes com a amamentação e chegam a
lastimar quando o filho dá o grito de independência não pedindo mais o peito. É
nesse momento que nota-se uma tendência maior de se doar nas mães da
partolândia.
Postado por Mariana Passaglia aqui
1 comentário:
E-S-P-E-C-T-A-C-U-L-A-R!!!! :)
já li 2x de tanto que gostei! :)
muito bem explicado, e de forma tão simples, que agora estou apta a passar a palavra sem dar azo a más interpretações.
Obrigada Cat por fazer chegar esta info até nós.
Um beijinho,
Susana M.
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