Os percentis são uma das mais importantes ferramentas que os pediatras possuem para avaliar o desenvolvimento da criança. Mas apenas são úteis quando somados a outros indicadores. Muitos pais preocupam-se quando os filhos se mantêm no 5, 10 ou 25. No entanto, eles são tão ou mais saudáveis dos que estão no 90 ou 95.
Estão nas páginas iniciais do Boletim de Saúde Infantil e Juvenil e começam a ser preenchidos na primeira consulta após o nascimento. Peso, comprimento, estatura, perímetro cefálico, relação peso/estatura (na versão mais antiga) ou Índice de Massa Corporal (na mais recente), são estes os gráficos que, ao longo dos meses e anos, vão desenhando linhas que ilustram o desenvolvimento da criança. E que permitem descobrir em que percentil se encontra: 5, 10, 25, 50, 75 ou 90.
Enquanto a linha tracejada pelo médico se aproxima dos valores mais altos, a família mantém-se tranquila: o bebé está «grandinho», «gordinho» e tudo parece correr às mil maravilhas. O pior é quando os números persistem em ser baixos. Com percentis a rondarem permanente os 5, 10 ou 25, a maior parte dos pais angustia-se, coloca a alimentação e os cuidados em causa, inunda o pediatra de perguntas e tudo faz para que a curva no gráfico suba.
Foi o que aconteceu com Susana. «Desde muito cedo, a Maria 'instalou-se' no percentil 50 de comprimento/altura e no 25 de peso. Eu andava doida de preocupação, a achar que a menina não comia o suficiente ou que tinha alguma doença grave. A médica sempre me foi dizendo que ela estava óptima, que o desenvolvimento era regular e todos os indicadores estavam normais, mas a angústia persistia», recorda. Quando a filha mais nova nasceu, o receio surgiu mesmo antes de a pediatra fazer as primeiras inscrições no gráfico. «Mas com a Inês as coisas passaram-se de forma muito diferente. Desde pequenina que os percentis dela são 75 para a altura e 90 para o peso. E a médica mostrou-se mais atenta a estes dados do que aos da mais velha». De tal forma que na consulta dos três anos «tivemos uma conversa muito pormenorizada sobre a alimentação e o exercício físico da Inês, enquanto que para a Maria que foi vista na mesma altura o comentário foi o de sempre:'está óptima'».
Ainda hoje, as características físicas das irmãs, uma com nove anos e outra com seis, parecem indicar uma diferença de idades muito menor do que a que as separa na realidade. «Até já me perguntaram se são gémeas», revela a mãe, adiantando: «como são as duas bastantes activas e saudáveis, esta história dos percentis e das curvas tem vindo a perder importância. Mas confesso que foram uma dor de cabeça durante bastante tempo».
Questão de matemática
«Durante muitos anos, os percentis eram desconhecidos dos pais, mas a sua descoberta levou a um interesse crescente, muitas vezes mesmo obsessivo. E isto é particularmente verdade quanto mais pequeno é o bebé». As palavras do pediatra Armando Fernandes espelham a realidade: os adultos preocupam-se com os percentis, mas isso não significa que saibam mesmo com o que é que estão a perder horas de sono.
Recentemente, um in-quérito via internet realizado nos Estados Unidos chegou à conclusão de que metade dos pais não compreende o que representa exactamente uma curva de percentil. Mesmo assim, metade afirma que um 10 para o peso ou para a altura traduz qualquer problema no desenvolvimento da criança. «Logo que o bebé nasce, a grande ânsia é saber o peso e o comprimento», confirma Alexandra Couto, neonatologista da Maternidade Alfredo da Costa, referindo que a preocupação prossegue após a alta médica e nos primeiros anos da criança. «Curiosamente, muito poucos perguntam sobre o perímetro cefálico e essa é precisamente uma das questões a que os médicos mais dão atenção. Tudo porque enquanto as fontanelas estiverem abertas servem como 'janelas' para o que se passa no interior do crânio. Esse 'pouco caso' das famílias em relação a este parâmetro prova até que ponto o conceito é pouco conhecido».
Assim sendo, o que é exactamente uma curva de percentil? É, nada mais nada menos, que uma representação matemática que corresponde à posição que uma determinada criança ocupa em relação aos seus pares. Assim, por exemplo, se um rapaz de seis anos se encontra no percentil 75 de altura e 75 de peso tal significa que é mais alto e mais pesado que 75 por cento dos rapazes que têm a mesma idade. Em contrapartida, se estiver no percentil 10 é porque apenas 10 por cento dos rapazes com a mesma idade são mais baixos ou mais leves.
E é precisamente a incompreensão destes termos que leva muitos pais a chegarem a conclusões precipitadas. «A nossa preocupação com o estado de saúde de uma criança apenas 'dispara' se os percentis se mantiverem permanentemente abaixo do 3», refere Alexandra Couto. «Qualquer criança que apresente uma evolução regular, ou incremento ponderal, dentro do seu 'corredor', mesmo que este seja de 5, 10 ou 15, está provavelmente bastante saudável e não nos motiva angústia», confirma.
António Guerra, chefe de Pediatria no Hospital de São João, no Porto, reforça esta ideia: «O desenvolvimento infantil é fruto de uma multiplicidade de factores endógenos e exógenos. Todos os indivíduos nascem com um determinado perfil genético, ao qual não podem fugir e que determina muitas das suas características. Ou seja, se uma determinada criança é filha de pais baixos e magros não é de esperar que se desenvolva em percentis altos. Aliás, se isso se verificar no peso trata-se de um sinal de alarme».
«Chicos fininhos» e gordinhos
A satisfação que muita gente experimenta quando a criança está em percentis altos no peso contrasta com o franzir de sobrolho dos médicos. «As mães gostam muito dos «chicos gordinhos» mas eu prefiro os «chico fininhos». Um bebé até aos dois anos que tenha 95 de peso e 50 ou 75 de altura encontra-se num patamar de risco para problemas de excesso de peso e obesidade», refere António Guerra, colocando a tónica no tipo de alimentação nos primeiros meses de vida. «O leite materno evita que haja um aporte energético excessivo e tem implicações determinantes na forma como se cresce, na composição da massa gorda corporal e na distribuição dessa massa», revela o professor na Faculdade de Medicina do Porto, advogando a necessidade de uma mudança nas tabelas que inclua a determinação do IMC desde o nascimento e a adopção do padrão de amamentação exclusiva como base (ver caixa). «As actuais curvas dizem-nos como as crianças estão a crescer, ou seja, com as opções alimentares baseadas na introdução precoce de leite adaptado. As da OMS, baseadas no leite materno, dizem-nos como as crianças deveriam crescer», frisa António Guerra.
Cruzes, credo!
Ao observar uma tabela de desenvolvimento, mais do que desviar imediatamente os olhos para o percentil final, o importante é procurar padrões de regularidade. «Se a criança mantiver apenas pequenas 'oscilações'ao redor da curva do seu percentil habitual será, com grande probabilidade, uma criança sem problemas», refere Armando Fernandes. Estas alterações mínimas podem ser provocadas por vários factores como, por exemplo, a entrada no infantário ou na escola, uma doença benigna que diminua o apetite ou mesmo, no caso dos bebés, a aquisição da marcha.
As campainhas de alarme apenas começam a tocar no momento em que a criança «cruze o percentil».
Ou seja, se a curva, subitamente e num curto espaço de tempo, inflicta acen-tuadamente para cima ou para baixo. «Por exemplo, um bebé que esteja no percentil 50 e que de um momento para o outro suba para o 90 ou desça para o 10seja na altura, no peso, no perímetro cefálico ou no IMC deve ser objecto de uma atenção imediata pois pode estar a acontecer algo de preocupante», refere Alexandra Couto.
Mas esses são «felizmente, casos raros e na maior parte das situações quando o médico investe o tempo suficiente a explicar aos pais o que são curvas de crescimento e percentis, para que servem e o que significam exactamente os resultados obtidos, muita da ansiedade, senão toda, acaba por desaparecer».
http://www.paisefilhos.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=2502&Itemid=60
Pais&Filhos
Sem comentários:
Enviar um comentário