por Eugenio Mussak
Imagine a seguinte cena, como se fosse um filme que você está assistindo:
“Há uma sala fechada, quase totalmente escura, na qual não se podem identificar com clareza os móveis, objetos e pessoas. Quem tenta caminhar bate nas coisas e perde o equilíbrio. E o pior é que o ar é rarefeito, difícil de respirar, e há um cheiro de mofo irritando as narinas. Existe apenas uma janela alta, mas está quase totalmente fechada, deixando aparecer só uma estreita fresta embaixo da cortina. Paira, na sala, intenso desejo de respirar com intensidade e enxergar com clareza. Mas, como? Do lado de fora, uma pessoa resolve ajudar os que estão na sala. Procura um fole, dotado de uma mangueira fina o suficiente para passar pela fresta da janela. Com esforço, introduz a mangueira e começa a fazer um cansativo movimento de vaivém, na tentativa de arejar o recinto. Pelo esforço, apesar da boa intenção, cansa-se e irrita-se. Com o tempo, começa a esbravejar contra as pessoas da sala, culpando-as por estarem ali, o que as leva a respirar ainda mais depressa, piorando a situação. Tal acontecimento é observado por outro homem do lado de fora. Esse homem não participa, só observa, mas reflete sobre o que está acontecendo. Percebe o esforço do primeiro em mandar ar para a sala e o das pessoas em respirar o ar pouco e viciado. Nota que o desespero está tomando conta de todos e que o desânimo está chegando. O homem do fole não tem mais força nem paciência. As pessoas da sala estão começando a achar que é melhor deixar como está, pois dá para continuar vivendo desde que se respire pequenininho. O observador, então, levanta-se do banco em que se acomodara, dirige-se lentamente ao centro da cena e, com um movimento decidido, mas delicado, afasta as duas lâminas da janela, faz correr as pesadas cortinas, e algo parecido com milagre acontece: o ar a luz entram pelo novo espaço, com a naturalidade desconcertante das coisas óbvias”.
Na metáfora acima há dois homens tentado resolver o problema da sala fechada. O primeiro tenta fazer o ar entrar usando a força. O segundo apenas abre a janela, deixando o ar fluir, como é de sua natureza, e a luz ocupar o espaço. Qual dos dois poderia ser comparado a um educador de verdade? O que força a entrada ou o que abre a janela?
Educar é deixar respirar
Nas escolas e nos lares encontramos, em todo o mundo, professores e pais que são apertadores de foles e professores e pais que são abridores de janelas. Apertar o fole significa tentar introduzir conceitos, conhecimentos e comportamentos à força, considerando o aluno, ou o filho, um menor incapaz de perceber, compreender e aprender. Que precisa, por ser assim um inválido intelectual, do esforço do outro, do adulto, do sábio, que é arrogante em sua superioridade do saber. Abrir a janela significa confiar no potencial do menino em aprender por seus próprios meios, valendo-se de sua natureza humana. Significa não atrapalhar e, quando muito, facilitar. Pais e mestres são facilitadores da aprendizagem, não inoculadores de idéias. Conhecimento não se transfere, constrói-se a partir de estímulos, como a curiosidade, e de substratos intelectuais, como os livros.
Eu não posso ler o livro para meu filho ou para meu aluno. Nem posso obrigá-lo a ler, isso seria uma violência. Mas posso aguçar sua curiosidade sobre o livro, de tal sorte que a leitura seja a conseqüência natural, óbvia e desejada. Mestres não entregam os livros, mostram onde eles estão. Não transferem conhecimentos, oferecem significados. Não dão conselhos, dão exemplos. Não funcionam como os trilhos da estrada de ferro, que marca o caminho na planície, e sim como o farol que serve de referência na noite atlântica. Por tudo isso, deduzimos o que representa a violência, de qualquer espécie, no processo do aprendizado. Nada. Ou melhor, tudo. Tudo o que há de errado, antipedagógico, desconstrutor, desumano.
Quando o assunto é educação, nunca é demais lembrar o que Sócrates disse há 25 séculos: “Educar é ensinar a pensar”. O primeiro grande educador que o mundo conheceu foi provavelmente o que mais bem definiu o ato de educar. E ele disse mais. Disse que aprender é uma condição humana natural, que acontecerá independentemente do professor. Crianças aprendem. Jovens aprendem. Adultos aprendem. Seres humanos aprendem porque é de sua natureza. O que tentamos fazer, a partir da organização dos temas e das técnicas pedagógicas, é facilitar esse processo e conduzir o aprendizado para o fim desejado, que é o de integrar o aluno à sociedade em que ele está inserido e torná-lo capaz de colaborar com a construção do todo desenvolvendo-lhe competências.
A mãe de Sócrates, Fenareta, era parteira. Observando o trabalho da mãe, o então menino disse-lhe certa vez: “Não é você quem faz o parto. Este acontece naturalmente por ação dos organismos da mãe e do filho. Você apenas conduz o nascimento”. É possível que a mãe tenha ficado magoada com o filho, pois nunca antes alguém lhe havia questionado o poder de fazer o parto. Sócrates adorava observações críticas, mas foi dessa observação impertinente que nasceu o método socrático de ensinar: a maiêutica, palavra que, em grego significa “a arte de dar à luz”.
O método maiêutico pressupõe que a criança (de qualquer idade) deve receber tudo o que facilite o aprendizado, assim este “nascerá” por conta própria. E, nesse contexto, é sempre bom lembrar que, se o aprendizado é um fenômeno intelectual, a aprendizagem é um fenômeno emocional. Em outras palavras, nós nos intelectualizamos com auxílio das emoções. A informação desprovida de sentido e de sentimento não cala na alma, não gruda na mente, não se acomoda na memória.
E é exatamente nesse ponto que reside o argumento dos que usam da violência (de qualquer tipo) para ensinar. Pois não seria a coação violenta uma maneira de acionar o emocional? Sim, claro, sem sombra de dúvida, mas... Mas o processo funciona assim: aprendizado com amor gera conhecimento e afeto pelo saber. Aprendizado com violência pode até desembocar no conhecimento, mas este será acompanhado do medo, da raiva e da aversão ao que ele representa. Fim do enigma.
Estímulo à curiosidade
Além da maiêutica, Sócrates lançava mão de outra técnica peculiar: a ironia. Só que ironia, no grego clássico, não era sinônimo de sarcasmo. Significava, antes, algo como “a arte de perguntar”. Sócrates dificilmente respondia, ele perguntava, o que obrigava seus discípulos a usar a cabeça de fato, refletir sobre o assunto em questão, criar novas idéias, propor novas visões. Pensar, enfim. Na atualidade, coitados dos perguntadores, dos curiosos. Costumam ser classificados como impertinentes, maleducados, desconfiados, perturbadores. E, com freqüência, punidos com repreensões ou coisa pior.
A curiosidade é uma característica infantil que se perde pela inutilidade do uso. Quando gera mais desconforto que glória, a curiosidade começa a ser questionada. Alunos curiosos, filhos curiosos, funcionários curiosos são pessoas que perturbam a ordem com suas perguntas, suas dúvidas, sua curiosidade, enfim. Como curiosidade pressupõe pergunta, pergunta exige resposta e resposta precisa do pensamento e do tempo de elaboração, haja paciência! Sim, educar exige paciência. Ter filhos exige paciência. E como ter paciência em um mundo impaciente, veloz, digital, cibernético, inconstante e louco? Atualmente ela só existe em um lugar: na consciência do educador, seja ele professor, pai, chefe, guarda de trânsito, não importa. Ser educador é um estado de espírito. Há educadores que não são professores e professores que não são educadores.
Durante os anos conturbados da queda do czar e ascensão do marxismo-leninismo – a Revolução Russa –, viveu um psicólogo e educador chamado Lev Vigotsky. Sua curta vida (morreu aos 37 anos, vítima da tuberculose que o torturou desde os 19) foi dedicada a entender como as pessoas, em especial as crianças, aprendem. Sua obra tem um caráter de urgência, como se pressentisse sua curta jornada, mas é reconhecida como fundamental, sendo complementar aos trabalhos de Jean Piaget, que, aliás, nasceu no mesmo ano de Vigotsky, mas que viveu até se cansar de viver. É do jovem russo, personagem de uma sociedade imersa em profunda transformação, a percepção do fundamental papel do ambiente no desenvolvimento sócio-cultural-intelectual do ser humano.
Entre seus escritos encontramos um pensamento que resume a educação com a mesma profundidade que a oração de São Francisco explica o cristianismo ("Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz; onde houver ódio, que eu leve amor; onde houver ofensa, que eu leve perdão..."). Disse Vigotsky a respeito dos ambientes, escolares, domésticos ou públicos, que são capazes de educar, desenvolver jovens, criar uma sociedade mais íntegra, justa, feliz: “Precisamos de ambientes em que o conhecimento já sistematizado não seja tratado de forma dogmática e esvaziado de significado. Precisamos de ambientes em que as pessoas possam dialogar, duvidar, discutir, questionar e compartilhar saberes. Lugares em que as pessoas tenham autonomia, possam pensar, refletir sobre seu próprio processo de construção de conhecimentos e ter acesso a novas informações. Onde haja espaço para as diferenças, para as contradições, para o erro, para a criatividade, para a colaboração e para as transformações”.
Sobre o blog:
“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones
2 comentários:
Parece a comparação que faz o Ruben Alves, sobre educação fonte e educação cisterna... A primeira deixa a criança brotar as suas próprias ideias e curiosidade... Na segunda, o educador tenta armazenar o seu conhecimento dentro da criança, sem lhe dar espaço para pensar por si...
Já Célestin Freinet no seu livro "Pedagogia do Bom Senso" dissertava sobre o assunto, isto em meados dos anos 60 e 70.
Os seus textos " A história do cavalo que não está com sede", " Tratadores e educadores" e muitos mais presentes neste simpático livro demonstram a sua posição em relação ao assunto.
Este é um belo exemplar para entregar aos paizinhos e a muitas colegas educadoras para reflectirem...
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