Sobre o blog:

“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Poderá uma mulher exigir uma cesariana?

A cesariana tem salvo a vida de muitas mulheres e bebés.

Então, por que não permitir à mulher escolher? Poderá uma mulher exigir uma cesariana? Infelizmente, a opção de escolher (ou exigir) não é tão simples, cesarianas implicam sérios riscos para a mãe e o para bebé.

Em 1997, um jornal de obstetrícia publicou uma pesquisa com médicas obstetras, na qual 31% destas mulheres declararam que, se tivessem uma gravidez única, sem complicações e a termo, optariam pela cesariana ( Al-Mufti R, McCarlin A, Fisk MN. Survey of obstetricians’ personal preference and discretionary practice. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol 1997; 73: 1.)

Por trás das tentativas de se justificar a escolha das mulheres pela cesariana está a afirmação: "a cesariana nunca foi tão segura". Mas a verdade é que a cesariana eletiva, como uma cirurgia abdominal de grande porte, ainda apresenta grandes riscos.

Os dados mais crediveis sobre mortalidade materna encontram-se no "Inquérito Confidencial do Reino Unido sobre Morte Materna" ("UK Confidential Enquiries into Maternal Deaths"). Embora possa ter sido uma política obstétrica omitir o capítulo habitual sobre mortalidade materna relacionada à cesariana, dois cientistas calcularam essa taxa a partir de dados do relatório. (Hall M, Bewley S. Maternal mortality and mode of delivery. Lancet 1999; 354: 776 ) Uma cesariana eletiva sem característica de emergência apresentou um risco 2,84 vezes maior de morte materna do que um parto vaginal nas mesmas condições.

Outros riscos incluem a morbidade associada a qualquer procedimento cirúrgico abdominal de grande porte (acidentes anestésicos, danos aos vasos sanguíneos, prolongamento acidental da incisão uterina, danos à bexiga ou a outros orgãos). 20% das mulheres desenvolvem febre após a cesariana, na maioria das vezes devido a infecções.

Existem também os riscos relacionados à existência de uma cicatriz no útero, incluindo diminuição da fertilidade, aborto, gravidez ectópica, placenta abrupta e placenta prévia.
O uso indiscriminado do misoprostol para indução do trabalho de parto criou um novo risco.

Numa cesariana de emergência em que o bebé apresenta algum problema durante o trabalho de parto, os riscos da cirurgia para o bebé são superados pelos riscos de não realizá-la, mas nos casos em que o bebé está bem, ainda existem riscos, o que significa que uma mulher que escolhe a cesariana submete seu bebé a um perigo desnecessário.

O primeiro risco é o bisturi lacerar o bebé (de 1,9% nas apresentações cefalicas a 6% nas apresentações não-cefálicas) Smith J, Hernandez C, Wax J. Fetal laceration injury at cesarean delivery. Obstet Gynecol 1997; 90: 344–46.
Um risco muito mais sério é o de complicações respiratórias. O procedimento da cesariana por si só é um forte fator de risco para a síndrome da angústia respiratória em bebés prematuros, e para outras formas de disfunções respiratórias em bebés a termo. O risco de o bebé apresentar a síndrome da angústia respiratória é significativamente reduzido quando se permite à mulher entrar em trabalho de parto antes da cesariana.Outro perigo é a prematuridade iatrogênica, cesarianas eletivas após o início do trabalho de parto reduziriam este risco. Tanto a síndrome da angústia respiratória quanto a prematuridade são causas importantes da morbidade e mortalidade neonatais.

Mas porque preferem tantas mulheres uma cesariana?
Muito freqüentemente a opção da mulher pela cesariana está baseada num medo profundamente enraizado e em falta de autoconfiança, resultantes da atitude de médicos que temem, eles próprios, o parto vaginal.

A ausência de dor é muitas vezes um dos motivos uma mulher escolher uma cesariana. Mas perguntem a uma mulher que foi submetida a esta cirurgia se teve ou não dores... Ao escolher uma cesariana, troca-se horas de dor de trabalho de parto por severas dores e debilidade pós-operatórias e um período de recuperação mais longo com semanas ou mesmo meses de dor.

Outro motivo é o de manter "o tonus vaginal " , mas a verdade é que muitos dos danos do parto vaginal são causados pela prática de se apressar o segundo estágio de trabalho de parto, pelo uso desnecessário do fórceps ou ventosas, e pela episiotomia desnecessária.

Existe também uma relação interessante entre a escolha por parte da mulher e o grau em que o procedimento é favorável aos médicos, sim porque existem muitos benefícios para o médico.
Uma razão comumente apresentada para as altas taxas de cesariana é a "obstetrícia defensiva". Numa pesquisa recente, 82% dos médicos utilizaram essa prática para evitar processos de negligência. Quando um parto tem resultados negativos, os médicos são processados e criticados por não terem feito uma cesariana, mas são raramente criticados por intervenções desnecessárias. No entanto, a obstetrícia defensiva viola o princípio fundamental da prática médica: todo e qualquer procedimento adotado pelo o médico deve ser realizado antes de tudo e principalmente para o benefício do paciente.

Estudos do Reino Unido e dos EUA mostram não só que os nascimentos acontecem muito mais de segunda a sexta-feira durante o dia, mas também, e mais surpreendentemente, que as cesarianas de emergência são realizadas em dias de semana preferenciais e no horário diurno. A cesariana leva 20 minutos, enquanto no parto vaginal o médico tem que permanecer no hospital 12 horas ou mais. Em sistemas tais como os adotados nos EUA, no Canadá, na Bélgica e no Brasil, onde os obstetras são responsáveis pela atenção materna primária, incluindo as consultas pré-natais de rotina e o atendimento aos partos normais, a conveniência da cesariana é vital para sua prática.
No sistema privado de saúde, a cesariana é um dos procedimentos cirúrgicos de grande porte mais comuns, lotando leitos e salas cirúrgicas e fornecendo uma importante fonte de renda. Os hospitais particulares competem por pacientes e desencorajam partos em ambientes não hospitalares. Interesses comerciais também promovem os partos de "alta tecnologia", que necessitam de equipamentos.
As altas taxas de cesariana beneficiam os médicos, os hospitais e a indústria.

Será que o avanço da tecnologia explica um nascimento mais seguro? Não há provas da existência de uma relação causal entre o resultado do parto e o uso de tecnologia ou o aumento de cesarianas. Nesses últimos 20 anos não houve melhoras significativas nas taxas de paralisia cerebral, de baixo peso ao nascer, de mortalidade materna, ou no componente fetal da mortalidade perinatal nos países industrializados. Um estudo do Centro Nacional de Estatísticas da Saúde ("National Center for Health Statistics") dos Estados Unidos comenta: "As comparações das taxas de mortalidade perinatal com a cesariana e com o parto vaginal operatório não demonstram nenhuma correlação consistente entre países" ( Notzon F. International differences in the use of obstetric interventions. JAMA 1990; 263: 3286–91.) um veredicto também proferido pela Unidade Nacional de Epidemiologia Perinatal de Oxford ("Oxford National Perinatal Epidemiology Unit"), na Inglaterra. ( Lomas J, Enkin M. Variations in operative delivery rates. In:Chalmers I, Enkin M, Keirse M, eds. Effective care in pregnancy and childbirth. Oxford: Oxford University Press, 1989. )

Quando a assistência materna é caracterizada pela hegemonia médica e as parteiras são marginalizadas, as taxas de cesariana são mais altas. As parteiras utilizam-se de um paradigma diferente ao focar não na potencial anormalidade da gravidez, mas na sua normalidade.
Para uma parteira um parto pélvico é uma variação do normal; para um médico é uma condição patológica. As taxas de cesariana são menores quando parteiras em vez de médicos acompanham um parto. A promoção da cesariana faz parte de uma campanha para manter a profissão obstétrica no controle da assistência materna.

O papel de parteira tem de renascer... para bem das mulheres!

Na cesariana por escolha da mulher, não há evidências científicas que sugiram qualquer benefício para o bebé. As mulheres que escolhem um parto "natural" ou domiciliar são criticadas por serem egoístas, por estarem mais preocupadas com suas próprias necessidades do que com a segurança do bebé, críticas que não são baseadas em evidências. Considerando-se as evidências sobre os riscos e a ausência de benefícios para o bebé quando as mulheres escolhem a cesariana, o rótulo "egoísta" seria mais adequado a quem?

Sem comentários: