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“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

VALE A PENA SER MÃE

POR Ann Crittenden

Ser mãe a tempo inteiro é uma profissão que muitas mulheres gostariam de seguir. Mas está longe de atingir o devido reconhecimento

Um antigo provérbio judaico diz: «Deus não podia estar em toda a parte, e por isso Ele criou as mães», expressando a razão do serviço altruísta prestado por muitas mulheres. Existem diversos factores que nos levam a crer que ainda falta muito para as mães receberem a recompensa merecida pela sua dedicação. No entanto, parece começar a existirem alguns sinais animadores.Nos Estados Unidos, a maternidade é tão americana como a tarte de maçã. Nenhuma instituição é mais sagrada, nenhuma figura é tão enaltecida. A generosidade materna dotou as mães de uma autoridade moral única, que no passado foi muitas vezes utilizada para promover a temperança, a saúde materna e da criança, os jardins infantis e até mesmo um sistema de justiça juvenil mais brando. É certo que a consciência da importância do trabalho das mães está a aumentar.

Em 1996, o fundador da Microsoft, Bill Gates, e o vice-presidente executivo Steve Ballmer doaram à Universidade de Harvard um espaço no valor de 29 milhões de dólares. O novo edifício foi baptizado de «Maxwell Dworkin», os nomes de solteira das suas progenitoras. Provavelmente naquele que foi o primeiro reconhecimento público do papel das mães.
Desprezo e prejuízoNa economia moderna, dois terços da riqueza são fruto das experiências, criatividade e espírito empreendedor do ser humano — aquilo que é habitualmente designado de «capital humano». O que significa que os pais que educam os filhos de forma consciente e eficaz são literalmente, nas palavras da economista Shirley Burggraf, «os maiores produtores de riqueza económica».Mas esta verdadeira contribuição material não é vista como tal. Toda a adulação à maternidade ainda «flutua no ar». No chão, onde vivem as mães, a falta de respeito e de reconhecimento ainda fazem parte da experiência de qualquer mãe. O trabalho que requer a construção de um lar para uma criança e o desenvolvimento das suas capacidades é muitas vezes equiparado a «fazer nada». Daí a desdenhosa questão constantemente levantada sobre as mães que estão em casa: «O que é que elas fazem o dia inteiro?», chegando ao ponto de até os próprios filhos absorverem a mensagem cultural de que as mães não têm grande peso na sociedade.A ocupação de mãe não só é «invisível» como também se pode tornar uma desvantagem.

Educar uma criança é o trabalho mais importante do mundo, mas é impossível utilizá-lo com o intuito de enriquecer um currículo.A ideia de que o tempo gasto com uma criança é tempo perdido está inerente ao pensamento económico tradicional. Mesmo que não estejam formalmente empregadas, as pessoas podem criar capital humano. No entanto, são acusadas de sofrerem uma deterioração da «matéria-prima». Os talentos exigidos para realizar o árduo trabalho de construir, a longo prazo, o carácter humano e inculcar nas crianças a capacidade e o desejo de aprender não têm qualquer espaço nos cálculos económicos. A teoria económica não tem nada a dizer sobre a aquisição de experiências por parte daqueles que trabalham com crianças. Ou seja, não são ninguém!

A desvalorização do trabalho das mães atravessa virtualmente todas as grandes instituições. Além de não recompensada, a prestação de cuidados aos filhos é, na maioria das vezes, penalizada. O que não falta são histórias a prová-lo. Os indivíduos que assumem o papel de educadores são punidos e desencorajados de realizarem as tarefas que todo o mundo concorda serem essenciais. Discutimos constantemente a importância da família; porém, o trabalho que se tem a construir uma é totalmente menosprezado. Esta contradição pode ser encontrada em qualquer canto da nossa sociedade e das mais variadas formas. Veja os postos de trabalho inflexíveis que «obrigam» muitas mulheres a desistir dos seus empregos, ou a diminuir as horas de trabalho, assim que se tornam mães. O resultado é uma diferença significativa entre os salários das mães e das mulheres que não têm filhos, maior que a existente entre os ordenados de homens e mulheres. Por outro lado, o casamento ainda não é uma «sociedade» uniforme do ponto de vista financeiro. Uma mãe casada é uma «dependente» e a uma mãe divorciada é «dado» aquilo que o juiz decide que ela e a criança «necessitam» para viver dos rendimentos do pai. Como resultado, a mulher que se dedica exclusivamente à educação dos filhos e as próprias crianças ficam sempre numa posição financeira pior após o divórcio, o que não acontece com as mulheres que concentram todas as energias na sua carreira.

Também as políticas sociais não entendem os cuidados prestados à família como trabalho. Assim, alguém que se dedique em exclusivo a cuidar da família não é considerado um cidadão produtivo, e, como tal, não detém qualquer direito aos programas de segurança social. As amas recebem da segurança social, mas as mães que ficam em casa a cuidar dos seus filhos não.Tudo razões que justificam o facto de a maternidade ser ainda o maior factor de risco para a pobreza na terceira idade.Esta atitude depreciativa perante o trabalho materno estende-se a todos os que desempenham algo similar como profissão. Até as educadoras de infância formadas são muitas vezes designadas de «baby-sitters», recebendo salários inferiores aos de outros profissionais com o mesmo grau académico.O efeito destas políticas é uma das maiores desvantagens financeiras para qualquer pessoa que opte por dedicar a sua vida a cuidar de crianças.

Com o início do século XXI, as mulheres podem estar a aproximar-se da igualdade, mas as mães ainda estão muito para trás. Mudar o estatuto das mães, através da obtenção do reconhecimento real do seu trabalho, é o grande passo a dar pelo movimento feminino.Reavaliar a maternidade não vai ser nada fácil. Até as feministas se mostram muitas vezes relutantes em admitir que a vida de muitas mulheres se centra prioritariamente nos seus filhos, temendo que isto as possa levar novamente à subordinação doméstica. Daí não apostarem na valorização do trabalho das mães que se dedicam exclusivamente ao lar. Lutam por uma maior participação dos pais, mas até agora com poucos resultados. É óbvio que cuidar dos próprios filhos não é um trabalho que se faça com o intuito de receber qualquer remuneração. No entanto, não significa que uma pessoa deva ser penalizada por isso. Só pelo facto de ser uma tarefa altruísta não quer dizer que não seja difícil; é uma obrigação que consome tempo e que é atribuída a um dos sexos... o feminino, é claro. Balzac chegou a escrever: «O amor maternal torna todas as mulheres escravas.»Num mundo verdadeiramente diverso, as pessoas que se dedicam exclusivamente à educação dos filhos deveriam estar bem representadas em posições de poder. Todas as instituições deveriam questionar-se sobre se têm nos escalões mais elevados suficientes mães. E a educação directa dos filhos deveria ser vista como uma referência, em vez de ser encarada como uma desvantagem.

De vez em quando alguém lembra-se de calcular aquilo que uma família deveria pagar pelos serviços de uma mãe. Num desses exercícios, o trabalho de uma mãe foi avaliado em cerca de 120 000 contos anuais apenas em salários, sem contar com reforma, saúde e outros benefícios. Esta soma astronómica resulta da adição do salário médio anual de 17 ocupações que é suposto uma mãe desempenhar, de entre as quais educar os filhos, cozinhar, limpar, gerir as finanças da casa e resolver os problemas emocionais da família.Vários estudos recentes revelam que a quantidade de trabalho envolvida no cuidado de crianças — que não é pago — é bastante maior que os economistas pensavam, chegando mesmo a rivalizar com algumas das maiores indústrias da economia mundial.Vale a pena fazer uma analogia com os militares. Tal como as mães, eles prestam um serviço indispensável ao país. O sociedade sente-se em dívida para com eles, e por isso é comum os veteranos de guerra receberem diversas recompensas pelos seus serviços. Assim, não é justo exigir que a educação de um ser humano, o serviço nacional primário prestado pelas mulheres, seja considerado menos valioso. Não é justo forçar as mulheres a serem os filantropos involuntários da sociedade. Não é justo esperar que as mães façam sacrifícios que não são exigidos a nenhuma outra pessoa, ou tenham virtudes que mais ninguém possui. As virtudes e os sacrifícios, quando esperados por parte de um grupo restrito de pessoas, tornam-se a marca de uma classe inferior.Estabelecer um acordo justo para as mães vai muito além dos salários de donas de casa, ou até mesmo dos benefícios dos veteranos. O que é necessário é o reconhecimento global — no trabalho, na família, na lei, na política social — de que alguém tem de realizar o trabalho essencial que se prende com a educação das crianças e o sustento da família, e que a recompensa desse trabalho vital não deverá ser a marginalização profissional, a perda de status ou um maior risco de pobreza.

Este reconhecimento significaria o fim da gritante contradição entre aquilo que dizemos às jovens mulheres — «sai, luta pela tua educação, torna-te independente» — e o que acontece a essas aspirações assim que se tornam mães. Destruiria o anacronismo que atormenta a vida da maioria das mães, que, apesar de trabalharem mais que qualquer pessoa na economia, continuam a ser financeiramente dependentes, como as crianças ou os adultos incapacitados. Criar e educar uma criança em constante mudança não é uma tarefa fácil. Em nada se assemelha ao trabalho doméstico ou a fazer uma lista de compras para o supermercado. É uma tarefa que requer uma extraordinária competência.É provável que as mães e outras pessoas que se dedicam a cuidar dos filhos e de membros da família idosos ou doentes vão continuar a fazê-lo, não se importando com os custos ou consequências que isso terá nas suas vidas. Afinal de contas, o amor maternal é uma das fontes renováveis do Mundo. E ninguém consegue ver o óbvio: se as habilidades humanas são fonte principal do progresso económico, como defendem muitos economistas, e se essas habilidades são criadas nos primeiros anos de vida, então as mães são os maiores produtores da economia. Elas têm, literalmente, a profissão mais importante do Mundo.

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