Sobre o blog:

“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O que é um parto respeitado?

Margarida Gonçalves Piló
Foi Vice-Presidente da Humpar*. É psicóloga e tem três filhos.

O que é um parto respeitado?
Um parto respeitado é a apoteose de uma longa caminhada que a Mulher constrói ao longo da gravidez, procurando junto do Profissional de Saúde o apoio, a confiança e a informação necessária para que possam ser negociadas decisões, respeitando acima de tudo a sua vontade e individualidade. É um parto em que a Mulher assume o papel principal, sendo respeitados os seus desejos, a sua realidade única, os seus direitos e as suas escolhas, proporcionando assim uma experiência única que proporcione uma memória positiva e dignifique o momento mais importante da vida de uma Mulher: o nascimento de um filho. Para que um parto seja respeitado é preciso informar, saber ouvir, sentir, saber esperar, confiar!

Há partos respeitados nos hospitais portugueses?
Nos Hospitais Portugueses há ainda muita resistência à mudança, fruto de anos e anos de práticas que criaram um mecanismo que já está, neste momento, impregnado nas paredes e nas mentalidades de cada um. Existem vários profissionais verdadeiramente interessados em alterar o panorama do nascimento nas instituições, mas o seu espaço de manobra é ainda muito reduzido e, por vezes, acabam por ter que se render à pressão de colegas e protocolos desactualizados. Também já começam a conhecer-se histórias bonitas de nascimentos verdadeiramente respeitados e experiências dignificantes que irão, sem dúvida, marcar positivamente e para sempre a vida das mães, dos bebés e das famílias que os protagonizaram. Muito (mesmo muito) há ainda a fazer, existem movimentos, associações, empresas, profissionais e pessoas singulares dispostas a dar o seu apoio para que a mudança nas instituições possa vir a ser uma realidade. Ninguém tem a ilusão de que esta mudança se pode fazer de um dia para o outro, mas acreditamos que todos os dias se pode dar mais um passo!

Permitir à mulher fazer escolhas informadas deve fazer parte do esforço de humanização de que tanto de fala nos serviços de saúde?
O acesso à informação é o primeiro passo para qualquer processo de autonomia e liberdade. No que diz respeito à gravidez e ao parto, é aterrador verificar que a grande maioria das Mulheres tem um enorme desconhecimento relativamente à sua própria fisiologia, às possíveis consequências de determinados procedimentos e intervenções, às evidências científicas, às necessidades do bebé, às suas opções, relegando o seu papel para um segundo plano em que não há lugar para escolhas pessoais ou decisões negociadas. É dever dos Profissionais de Saúde dar acesso a informação fidedigna e criar espaço para o diálogo e a negociação, de forma a que cada Mulher possa fazer escolhas informadas de acordo com a sua realidade única. A humanização passa inevitavelmente pela informação e pelo respeito, é algo muito mais profundo do que dizer palavras simpáticas, dar um carinho ou contar uma piada no bloco de partos.

Por que razão se perpetuam práticas e intervenções médicas que, está cientificamente provado, são prejudiciais para a saúde da mulher e do bebé?
O parto é, acima de tudo, um processo fisiológico e natural para o qual o corpo da Mulher está desenhado e preparado. Compreender essa fisiologia, bem como os processos emocionais que estão envolvidos, deveria ser a base da formação dos técnicos que trabalham na área de Obstetrícia. No entanto, o treino que estes profissionais recebem está totalmente orientado para a patologia e para a intervenção, deitando por terra a confiança na própria natureza e no processo natural do nascimento. Pelo receio de não controlar o processo e na ilusão de prevenir eventuais complicações, as intervenções médicas (que tantas vidas salvaram e ainda salvam) foram-se generalizando, deixando de ser utilizadas apenas em casos de real necessidade. O maior problema é que, muitas vezes, são as próprias intervenções que trazem as complicações... Assiste-se, actualmente, a uma massificação de práticas que buscam uma ilusória segurança, mas não respeitam evidências científicas, recomendações da OMS, direitos e desejos das próprias Mulheres.

Concorda com a criação de alternativas, no âmbito do sisterma nacional de saúde, ao nascimento hospitalar (casas de parto, nascimento no domicílio...)?
Definitivamente, sim! Com tantos bons exemplos em países próximos, bastando segui-los, não será difícil a Portugal criar as condições e as estruturas necessárias para que as Mulheres possam optar, sendo esse o seu desejo, por alternativas seguras, de qualidade e acessíveis. É urgente sensibilizar a população em geral para esta questão, de forma a reivindicar, junto das entidades competentes, o direito à alternativa.

Retirado da revista IOL MÃE
http://www.mae.iol.pt/artigo.php?id=953121
*A Humpar encontra-se em fase de pré-eleição de nova Direcção.

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