Nos antípodas da visão estritamente médica e hospitalar do parto, está a forma como as doulas encaram o momento de pôr no mundo uma criança.
Não querem impor um modelo, pois defendem sobretudo que a mulher possa ser «dona» do seu parto.
Mas querem que possa ser informada de todos os riscos e benefícios, bem como da verdadeira necessidade de todas e de cada uma das intervenções médicas que se fazem no parto hospitalar. Querem que cada mulher possa escolher, depois de devidamente informada, a forma como gostaria de dar à luz.
Querem que essa vontade seja respeitada.
Querem que possa ser acompanhada por alguém que esteja ali, com paz e tranquilidade, só para ela.
Como é fácil perceber um acompanhamento assim, personalizado e caloroso, da gravidez e do parto, vai exactamente no sentido contrário aos princípios subjacentes à prática hospitalar e, em última análise, à maneira como vivemos nos países ditos civilizados, onde a rapidez e o imediatismo ditam as regras.
Luísa Condeço e Carla Guiomar, as primeiras doulas portuguesas, têm consciência dessa dificuldade, mas não deixaram de meter mãos à obra. «Sabemos que temos de ir devagar, temos noção de que estamos a lutar contra a corrente, mas não temos pressa. E temos sinais de que este caminho faz sentido para muita gente. As pessoas que nos procuram, que visitam o nosso blog, são cada vez mais», declara Luísa, optimista.
Doula? Doula é uma palavra grega que foi usada pela primeira vez neste contexto por dois investigadores americanos, nos anos 70. Klaus e Kennel verificaram, em maternidades na Guatemala, que a presença de uma acompanhante durante o parto permitia reduzir consideravelmente as intervenções médicas. Como não havia uma palavra inglesa para designar estas acompanhantes, foi usado o termo grego doula que, literalmente, significa «mulher que serve». Na Grécia a palavra tem, hoje, um sentido pouco dignificante e, por isso, há correntes que adoptaram o termo «paramanadoula» (ou seja, doula para a mãe).
A verdade é que os estudos de Klaus e Kennel foram o ponto de partida para que um verdadeiro movimento crescesse nos EUA e, depois, se espalhasse por muitos outros países na década de 80. E porquê? Porque havia bases científicas que o justificavam.
Depois de Klaus e Kennel, foram muitos os investigadores que demonstraram os benefícios da presença de uma doula durante o parto.
Os pioneiros dos estudos nesta área escreveram o livro «Mothering the Mother» com o sub-título «Como uma doula pode ajudar-te a ter um parto mais rápido, fácil e saudável», onde revelam que uma doula permite reduzir em 50% o número de cesarianas, em 60% o número de pedidos de epidural, em 40% a administração de occitocina, em 30% o uso de analgésicos e em 40% o uso de fórceps.
Além disso, ainda segundo Klaus e Kennel, a doula ajuda a fortalecer o vínculo entre os pais e o bebé e permite diminuir a incidência de depressões pós-parto e de problemas com a amamentação.
É por tudo isto que em Inglaterra, por exemplo, a maior parte dos partos acontece hoje com o apoio de uma doula, seja no hospital, seja em casa.
Importante é salientar que os estudos de Klaus e Kennel analisaram o papel de doulas presentes no parto, mas que não tinham tido qualquer contacto anterior com as mães. Mesmo assim, os resultados foram suficientemente esclarecedores. Ao ponto de Kennel afirmar que «se a doula fosse uma droga, seria contra a ética não a usar». Por tudo isto, o apoio emocional e físico, constante e ininterrupto, é uma das recomendações da Organização Mundial de Saúde para o nascimento humanizado.
Em Portugal, o movimento das doulas demorou a chegar e ainda é uma novidade. Foi em Setembro de 2004 que Luísa e Carla decidiram partir para Londres para fazer uma formação de doulas.Michel Odent, o famoso obstetra que revolucionou a obstetrícia nos anos 60 e 70, introduzindo o parto na água e salas de parto com ambiente familiar, na sua unidade do Hospital Pithiviers, em França, e Liliana Lammers, uma experiente doula, deram a Luísa e a Carla a formação necessária para se lançarem, com segurança, na aventura de se tornarem doulas e de, além disso, criarem a associação sem fins lucrativos Doulas de Portugal. Assim que regressaram a Portugal, depois de um fim-de-semana prolongado, rico em experiências e aprendizagens, criaram um blog, através do qual é possível contactá-las e conhecer melhor o seu trabalho. Em Janeiro deste ano fizeram a primeira formação para mais doze candidatas a doulas, que hoje já estão também a acompanhar grávidas. Uma rede que promete crescer rapidamente. Já está marcada nova formação para o fim de Abril.
Um dos contributos da doula é ajudar a grávida, de forma personalizada, a pensar sobre o parto e a descobrir aquilo que deseja. Se em muitos outros países é comum elaborar um plano de parto, em Portugal, Carla Guiomar terá sido uma das primeiras mulheres a fazê-lo, em 2000, grávida do seu primeiro filho. «Escrevi tudo o que queria e não queria, mostrei à minha médica, mas ela só leu por boa educação. Depois o plano de parto ficou junto do meu boletim de grávida e ninguém mais olhou para ele. Perto do momento da expulsão, o meu marido ainda lembrou que eu não queria a episiotomia, só mesmo em caso de necessidade extrema. O médico disse que se o bebé não saísse na contracção seguinte, cortava. E cortou», conta Carla.
O parto decide-se na cabeça
Apesar de o apoio das doulas se centrar na parte psicológica e emocional, a sua formação dá-lhes bases teóricas sobre o desenrolar do trabalho de parto e os processos fisiológicos que acontecem em cada uma das suas fases.
São treinadas para reconhecer os sinais de que tudo está bem, para o caso de acompanharem o trabalho de parto em casa, seja apenas a dilatação seja também a expulsão, com ou sem acompanhamento da parteira. «Depois de alguma experiência, o parto é como uma música que aprendemos a reconhecer. Cada mãe é única, mas o parto tem fases que são sempre iguais e que é possível identificar pelos sinais que a mulher dá, pelas posições em que se põe, pelo seu estado geral», explica Luísa. Mas para que assim seja, é preciso que não existam intervenções externas: «A partir do momento em que se liga a mãe ao CTG, em que se faz um toque de hora a hora, em que existem luzes muito fortes, em que se obriga a grávida a estar sempre deitada, está-se a perturbar o processo, a interferir com a produção natural de occitocina, a hormona que estimula as contracções e permite a progressão da dilatação». Porque o parto também se decide na cabeça, estas doulas sabem que já contribuiram para mudar muitas histórias de parto. E porque este é um momento único, apesar de ser um milagre banal, a sua vida também mudou e continua a mudar de cada vez que ficam para a história.
retirado da revista Pais&Filhos
www.doulasdeportugal.blogspot.com
Para saber mais:
www.michelodent.com
www.birthworks.org/primalhealth/
www.paramanadoula.com
www.crianzanatural.com
www.bionascimento.com
www.amigasdoparto.com.br
Sobre o blog:
“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones
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