Sobre o blog:

“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

O lado B das ecografias

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Maria João Amorim
As ecografias são, hoje, um dado adquirido para médicos e grávidas. Mas também falham. Mesmo quando a história acaba bem.
Durante os nove meses em que esteve grávida, Filipa Sousa pouco se dedicou a tricotar casaquinhos de lã ou a sonhar com um futuro cheio de luz. A meta foi sempre a próxima ecografia, o próximo encontro com os médicos, o próximo exame. Uma suposta malformação cardíaca no bebé avançada às 12 semanas de gestação ditou uma rotina radicalmente diferente daquela que pensou que iria ter.

Em vez de lojas de carrinhos e berços, Filipa e o namorado passaram a gravidez a frequentar hospitais e consultórios. Em vez de livros de puericultura, aplicaram-se em decifrar enciclopédias médicas. A Internet tornou-se a companhia de todos os dias.

Tudo começou na ecografia das 12 semanas. Um número de batidas cardíacas no feto supostamente abaixo do normal levou a obstetra a levantar a suspeita de uma possível anomalia no coração do bebé. Ausência de septo (estrutura que divide o miocárdio) talvez, avançou a médica.

A confirmar-se, o caso seria grave, muito grave. Mas era cedo para certezas. O melhor seria fazer um exame com um médico especialista em cardiologia pediátrica. «Saí do gabinete da médica em estado de choque, com a sensação de que algo de muito errado se passava», recorda Filipa. Duas semanas depois, o casal dirigiu-se a um centro ecográfico para realizar um ecocardiograma (exame específico ao coração do feto) com o especialista recomendado pela médica assistente.

O clínico fez uma avaliação exaustiva do minúsculo coração do bebé, frisou que não era possível avançar com um diagnóstico seguro, mas confirmou a possível existência de uma anormalidade.

Filipa foi então referenciada para a consulta de gravidez de risco de um hospital público. Nesta altura, a preocupação com o estado de saúde do bebé alargou-se: havia a hipótese de a malformação cardíaca estar associada a uma anomalia cromossómica. Filipa teve aconselhamento genético e submeteu-se a uma amniocentese (análise das células fetais com o objectivo de despistar doenças genéticas), uma técnica que tem um importante risco de aborto.

Às 22 semanas fez a chamada ecografia morfológica e uma vez mais a dúvida e a certeza aparecem de mãos dadas. Algo não estava bem com o coração do bebé, o quê não se sabia.
Numa das inúmeras consultas que foram marcadas e em que vários médicos eram chamados a dar a sua opinião, um cardiologista pediátrico avançou com a suposição de se tratar de uma tetralogia de Fallot, uma doença grave.

Por outro lado, também poderia ser uma coartação da aorta, outro problema sério, que, apesar de tudo, poderia ser resolvido através de uma cirurgia.

«Foram meses de inferno», desabafa Filipa. «Senti que a corda foi esticada até ao limite.» A situação manteve-se até ao parto. Muitos médicos olharam várias vezes para dentro da barriga de Filipa através de um ecrã, mas nenhum soube interpretar correctamente o que via. Uma espécie de «barulho de fundo» que a dada altura começou a parecer pouco real.

Quando Tomás nasceu, não foi logo examinado por um especialista em cardiologia infantil. Filipa teve de percorrer o hospital à procura do médico para lhe pedir que fosse ver o filho. A hipótese de ele vir a necessitar de uma cirurgia tinha sido, na altura da última ecografia, avançada pelos médicos. Quando, finalmente, o bebé foi observado, o resultado do exame ao coração revelou-se novamente inconclusivo, mas o médico dá alta a Tomás.

Havia três noites que Filipa não dormia. «Fomos para casa em absoluto stress e no dia seguinte consultámos outro médico, um especialista de renome.» Mesmo antes de entrar no consultório do clínico, Filipa quebrou. Foi o culminar de meses de angústias e incertezas acumuladas. «Chorava desalmadamente, estava fora de mim.» Não sabia ainda que as notícias eram as melhores.


Após um exame cuidadoso, o cardiologista revela que Tomás tinha uma comunicação interventricular (CIV), uma abertura no coração que, na maior parte dos casos, se resolve por si, não necessitando de cuidados especiais nem de vigilância excepcional.

Um cenário clínico que nunca foi posto durante a gravidez, conta Filipa. Felizes e leves, pai, mãe e bebé foram às compras. Um bolo, uma garrafa de champanhe, um boneco do Nemo e a banheira de Tomás, que até então ainda ninguém tinha tido cabeça para ir à procura.

Dois anos depois, Filipa faz a contabilidade dos 'danos' da gravidez. Dez ecografias, rios de dinheiro em exames e consultas, muitas incertezas, uma ansiedade exponencialmente superior ao normal. Conta que pouco depois de Tomás nascer chegou a confessar a uma amiga que se voltasse a engravidar nunca mais faria uma ecografia. Hoje está mais em paz, mas afirma: «É impossível não retirar nada desta história...»

Anjo ou demónio?
Nem sempre a relação com as ecografias é pacífica durante a gravidez. A tranquilidade que trazem, quando, aparentemente, tudo está bem, é directamente proporcional ao desassossego que provocam quando algo parece que está errado.

Manuel Hermida, director do serviço de Obstetrícia do Hospital Garcia de Orta (HGO), especialista em ecografias, reconhece que o poder da técnica é grande. Para o bem e para o mal. A questão dos falsos positivos merece reflexão, pela ansiedade «nada benéfica» que criam, mas não deve ser vista como um sinal do falhanço da tecnologia. «A ecografia tem e terá sempre as suas limitações. Não existem exames 100 por cento fiáveis.»

Para Manuel Hermida, é fundamental que a grávida tenha noção dos limites das ecografias. No HGO, as futuras mães assinam um consentimento informado que sublinha esse facto e alerta para a possível ansiedade que o exame desencadeia. Há sempre a opção de não assinar, afirma o médico, embora essa não seja a recomendação dos especialistas.

Mas como lidar com as «zonas cinzentas» da ecografia? Que fazer com a dúvida? Manuel Hermida defende que o bom-senso e o rigor na transmissão da informação são as melhores armas do ecografista. «Pior do que não fazer uma ecografia é fazer uma má ecografia...»

Apesar dos «muitos benefícios» que a técnica trouxe à vigilância da gravidez, há situações que fazem pensar, reconhece o médico. E conta o caso mais caricato que já lhe aconteceu. Um dia, num exame, detectou a uma grávida aquilo que lhe pareceu ser um encefalocelo - bolsa que se forma quando os ossos do crânio não se desenvolvem correctamente. A comprovar-se, seria uma situação grave, pelo que pediu uma opinião a um colega.

O segundo médico confirmou o diagnóstico e as dúvidas dissiparam-se. Foi o início de um processo longo e desgastante. Ecografia atrás de ecografia, consulta atrás de consulta. O parto foi rigorosamente preparado. À espera do bebé estava uma equipa de neurocirurgia pronta a cuidar dele. Qual não é o espanto - e a alegria - de todos quando a criança nasce e se percebe que afinal o que ela tinha na cabeça era um pequeno quisto dermóide...

Situações como esta geram ansiedade desnecessária, «sem dúvida», diz Manuel Hermida. Mas não se resolvem com menos ecografias, resolvem-se com melhores ecografias.

Qualidade exige-se
Também para Amadeu Ferreira, médico com larga experiência em ecografia obstétrica, o exame ecográfico é imprescindível para vigiar a gravidez. «Só há um meio de pesquisar malformações no feto: através da ecografia». E esse é, seguramente, um grande feito.

Quanto aos falsos positivos, Amadeu Ferreira ressalva que os bebés, dentro da barriga das mães, são seres em desenvolvimento. Daí que seja possível indicar uma anomalia numa fase inicial da gravidez que depois não se confirma porque a natureza a resolveu. E a ansiedade entretanto gerada

Amadeu Ferreira prefere ver a coisa de outro prisma: e se, com o exame, se tivesse conseguido detectar um problema grave no bebé e fosse possível preparar, atempadamente, o seu tratamento?


«Antigamente, quando os bebés nasciam, os pais contavam os dedos das mãos e dos pés. Hoje isto já não acontece. É a prova de que a ecografia trouxe tranquilidade à gravidez.»
O médico chama no entanto a atenção para a importância do treino e da qualidade dos ecografistas. Em nome dos diagnósticos correctos, mas também de forma a evitar interrupções de gravidez desnecessárias.

Uma questão a que Ana Fonseca é bastante sensível. Se não tivesse feito uma ecografia numa fase muito precoce da gravidez nunca teria passado por nada do que passou. Com um teste de gravidez positivo na mão, mas inquieta por causa de uma infecção que sofrera recentemente, decidiu consultar o seu obstetra assim que percebeu que estava grávida. «Em condições normais, teria ido ao médico mais tarde, por volta das 12 semanas», ressalva.

A ecografia abdominal que fez no consultório do clínico não permitiu datar correctamente a gravidez. O dia da última menstruação e o tamanho do saco amniótico perceptível no ecrã não coincidiam. Ana tivera, porventura, uma ovulação extemporânea. A conselho do médico, efectuou uma ecografia num centro de referência uns dias depois.

«As notícias não são boas», disse-lhe o médico ecografista no dia do exame. Tinha uma gravidez sem embrião. O saco amniótico era visível, mas não o feto. Ana contactou o médico assistente e este prescreveu-lhe um medicamento abortivo - misoprostol - de modo a expulsar o conteúdo do útero, evitando assim a realização de uma curetagem (raspagem uterina). «Tomei vários compridos durante vários dias, mas nada aconteceu», recorda Ana. Voltou a contactar o obstetra que, perante a ineficácia da medicação, marcou a intervenção cirúrgica.

No dia combinado e já deitada na marquesa, pronta para a raspagem, Ana teve a melhor surpresa da sua vida. A mesma tecnologia que lhe ditou uma gravidez sem vida revelava-lhe agora a maravilhosa imagem de um feto a mexer sem parar. Médicos e grávida olhavam estupefactos para o ecrã.

Afinal tinha sido mesmo uma ovulação tardia, um fenómeno que impediu o ecografista de ver o embrião, embora ele estivesse lá.

«'E os comprimidos?', perguntei eu. Ao que o médico me respondeu: 'Não se preocupe, vá para casa...'» Mas esse era um cenário difícil. Ana havia tomado cerca de dez comprimidos de misoprostol. Aconselhou-se com um geneticista e decidiu avançar com a gravidez. O risco de o bebé vir a ter problemas por causa da medicação não era mais elevado do que a hipótese de ter trissomia 21.

«Foi uma decisão racional, mas, claro, passei a gravidez toda a pensar nos comprimidos e não nos outros problemas que o bebé poderia ter...»

«Arrependi-me muito de ir a correr para o médico só porque estava grávida», confessa Ana, com a sorridente Maria, de três anos e meio, ao colo. Do episódio do misoprostol ficou-lhe uma lição: «Cada comprimido que tomava parecia-me um erro. Sentia-me grávida!» Hoje acredita que o instinto é o melhor amigo da grávida.

A difícil tarefa de ser grávida
«É mais difícil ser grávida hoje em dia». O obstetra Dória Nóbrega, antigo director da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, médico de muitas barrigas ao longo das últimas décadas, acompanhou de perto a mudança de estatuto das grávidas em Portugal. A ecografia esteve no centro dessa transição. «A mulher actualmente tem de tomar muitas decisões, a gravidez é um processo muito mais consciente. Hoje, a grávida é juiz em causa própria.»
Dória Nóbrega explica como a possibilidade de espreitar para dentro do ventre alterou as mentalidades de todos, obstetras e grávidas: «Decisões que só se tomavam no fim da gravidez tomam-se agora muito mais cedo.» E isso é bom, defende o médico. «Com a ecografia, detectamos hoje mais atempadamente muitas das anomalias que antes só descobríamos no final da gestação.»

Mas também é bom não esquecer «os ensinamentos antigos». O ecógrafo não deve substituir as mãos do médico. E para avaliar o bem-estar da grávida e do bebé ainda é preciso usar as mãos. Dória Nóbrega confia muito nas suas. Mais do que nas ecografias? «Não, isso não...»

O controlo ecográfico é um bem essencial à gravidez, sublinha o clínico, e contribuiu significativamente para a diminuição dos maus indicadores perinatais que caracterizavam Portugal nos anos 70 e 80.

Controlo rotineiro não quer dizer, no entanto, que as grávidas necessitem de efectuar uma ecografia por consulta, cenário muito comum actualmente. Dória Nóbrega, que não é ecografista, critica esta 'febre' com as imagens dos fetos, questionando a sua utilidade.

«No meu consultório existe uma balança, uma fita métrica e um aparelho para medir a pressão arterial. Mais nada.»


O exame do primeiro trimestre
Este deve ser o primeiro exame ecográfico da gravidez. Recomenda-se que seja realizado entre as 11 e as 13 semanas de gestação. Objectivos:
1) Confirmar a idade da gravidez.
2) Saber quantos fetos existem.
3) Se existir mais do que um, saber quantos sacos e quantas placentas.
4) Contribuir para a determinação do risco para um tipo específico de doença no feto ¿Síndroma de Down - causada normalmente por uma anomalia no número de cromossomas, trissomia 21.
5) Medir a prega da nuca.
6) Verificar se o feto está vivo (isto é, se o coração tem batimentos).
7) Tentar excluir algumas anomalias que se podem identificar nesta altura.


O exame do segundo trimestre
Idealmente, deve realizar-se entre as 20 e as 22 semanas. É um dos exames mais exigentes, em termos de capacidade técnica de quem o efectua, embora menos importante em termos de qualidade do equipamento usado. Objectivos:
1) Avaliação detalhada da anatomia do feto para exclusão de um conjunto importante de defeitos que podem atingir qualquer gravidez. Pretende-se, com este exame, permitir aos pais a opção de evitar o nascimento de um bebé com alguma das doenças graves que se conseguem identificar.
2) Acessoriamente, é efectuada a verificação da continuação da viabilidade da gravidez (batimentos cardíacos com actividade normal, líquido amniótico em quantidade normal) e da normalidade do crescimento fetal através da medição de algumas dimensões do feto.
3) Confirmação do sexo do bebé.


O exame do terceiro trimestre
O terceiro exame ecográfico realiza-se entre as 28 e as 32 semanas de gravidez. O principal objectivo deste exame é avaliar aquilo que é secundário no exame do segundo trimestre. Objectivos:
1) Avaliação do crescimento fetal através da medição de algumas dimensões do bebé. Se bem que a maioria dos fetos que parecem estar a crescer pouco sejam normais, alguns poderão necessitar de avaliações complementares.
2) Verificação da presença de sinais indirectos de viabilidade e bem-estar do feto (batimentos cardíacos, líquido amniótico normais).
3) Avaliação da posição da placenta;
4) Avaliação da posição do feto;
5) Reavaliação da anatomia do feto para identificar alguns defeitos de expressão tardia ou outros que não tenham sido diagnosticados no exame anterior. De recordar que, nesta fase, muitas estruturas são já de difícil avaliação dadas as dimensões do bebé.

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