Sobre o blog:
“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones
segunda-feira, 10 de dezembro de 2007
Desenvolvimento psicológico do feto
Alguns de nós crescemos a ouvir dizer que, quando nascem, os bebés são tábuas rasas, folhas em branco, pedaços de cera virgem. Porventura menos sensíveis aos encantos dos bebés, havia também quem os comparasse a «tubos digestivos», que comiam e dormiam, sem mais questões.
Longe estávamos de imaginar, porém, as revelações que a ciência nos iria trazer em tão escassos anos. É certo que ainda vivemos num mundo que tem tanto de prático e palpável, como de misterioso e de sombrio, e é bom que assim seja.
Não paramos de nos surpreender com os avanços das novas tecnologias, mas o que fica na sombra, que mal se conhece, que não se vê, mas se sente e intui, permite-nos ainda sonhar e fazer conjecturas.
E enquanto uns insistem na necessidade da confirmação científica e sistemática das coisas, outros não hesitam em lançar-se em teorias fascinantes e improváveis sobre os mistérios e as estranhezas da vida. Como em tudo, o tempo dirá o que vale ou não vale.
O que é espantoso, no caso da vida fetal, e das descobertas fascinantes sobre a complexidade da vida de um ser, com um tempo ainda tão curto de inteligência, é verificar a quantidade de coisas que aquele minúsculo pedaço de vida já sabe.
O feto, afinal, é um sábio. E quando finalmente chega a hora de nascer, ele transporta, inteira, toda essa sabedoria para a sua nova realidade.
A biologia junta-se à psicologia para, juntas, interpretarem dados, números, imagens, e deles tirarem conclusões.
Se a biologia aponta estudos sobre a verificação, in útero, da aquisição de competências físicas precoces, a psicologia discerne sobre o extraordinário fenómeno da «inteligência fetal», a relação entre o amadurecimento do sistema nervoso e o pensamento potencial de que o pré-nascituro dispõe, os comportamentos individualizados manifestados pelos fetos no útero das mães, o papel da genética em todo este processo, como decorre a vida emocional intra-uterina, e tantas outras coisas.
Do que já não parece haver dúvidas é que a relação entre a mãe e o filho, no decorrer da gravidez, revela uma importância enorme em termos de interferência no bem-estar da criança que vai nascer.
Ou seja, as trocas emocionais entre ambos vão muito mais longe do que se pensava. E, assim, chega-se, cada mais, à conclusão que entender a natureza e a profundidade dos vínculos afectivos, desde as origens da vida, permite-nos não só compreendermo-nos melhor a nós próprios, como amar melhor as crianças, sabendo que daqui a cinquenta ou cem anos muito mais terá sido descoberto e explorado, sem que por isso o tema se esgote, porque a vida é demasiado complexa e diversa.
A nostalgia do útero
Com o tempo, virámo-nos para dentro. Há 150 anos, pela mão de Freud, aventurámo-nos à procura do inconsciente, explorámo-lo através dos sonhos, da observação dos comportamentos imprevistos e disfuncionais, mas também o descobrimos como a grande «fábrica» da nossa força criativa, fonte de vida, motor de mudança e de regeneração.
Hoje, a investigação científica, dotada de meios tecnológicos cada vez aperfeiçoados, propõe-nos «regredir» e voltar ao princípio, ir ao fundo de nós mesmos, ver de perto e de dentro onde se criam as raízes desse mesmo inconsciente, e como se desenvolve o feto desde a concepção até ao nascimento.
Temos, então, a oportunidade de entender melhor as dinâmicas que estão na origem do ser humano, a forma como ele se desenvolve, evolui e apreende a realidade física e psíquica dentro do útero.
É verdade que alguns de nós já fizemos esta viagem em sonhos, pela pura nostalgia de voltar ao que julgamos ter sido a segurança do «paraíso perdido».
Hoje, ultrapassadas várias etapas de investigação científica sobre a vida intra-uterina, ainda que através de métodos muito menos sofisticados do que os actuais, podemos finalmente fazê-lo graças a descobertas tão revolucionárias como a ecografia, os ultra-sons, as fotografias e os filmes realizados dentro da barriga das mães, pela introdução de material tecnológico apropriado.
Uma possibilidade que nos permite observar, em directo e ao vivo, como decorre o desenvolvimento do feto, a par e passo. E perceber que forma as coisas se passam nesse universo, que já sabemos não ser tão escuro, silencioso e seguro como pensávamos que fosse, ainda que não tenhamos todas as respostas.
Da concepção ao nascimento, são intrincados os caminhos da vida e grande a complexidade das interacções que se instauram na placenta.
No entanto, esta inovação tecnológica abriu as portas a novas áreas de estudo, como sabemos, e que se prendem com o conhecimento das capacidades e competências do feto, a complexidade do seu mundo sensorial, a relação estabelecida com a mãe, mas também com o ambiente externo mais próximo, a forma como sente as descontinuidades entre o «dentro» e o «fora», e os processos que estão na base da sua vida psíquica.
O despertar dos sentidos
Apesar de persistirem ainda muitas interrogações, sabe-se que «antes de nascer, enquanto está no ventre da mãe, o feto já tem uma série de competências físicas e psicológicas». Quem o diz é o psicólogo Pedro Caldeira.
De facto, a aprendizagem, ligada à crescente maturação do sistema nervoso, começa cedo. Nos primeiros meses de desenvolvimento, o feto não tem ainda consciência do seu meio ambiente, mas vai descobrindo, em primeiro lugar, o seu próprio corpo.
Mexe-se em todas as direcções desde os primeiros meses, mas só ao terceiro mês, quando o seu sistema nervoso adquire maior maturidade, é que os seus movimentos se tornam progressivamente mais coordenados. Agita, então, os seus membros e explora a capacidade dos seus músculos e das suas articulações.
Mas não se fica por aqui. Toda a vida fetal é um caminho de evolução através do desenvolvimento físico, que se vai aperfeiçoando à medida que o tempo corre. Odores, sabores, sons e imagens impregnam o universo físico do feto, enquanto ele flutua e cresce.
Sabe-se, desde logo, que dentro do útero o feto regista, sobretudo a partir da 28ª semana, quando o seu sistema auditivo o permite, uma série de ruídos.
Em primeiro lugar, os sons biológicos que se produzem no corpo da mãe, como os barulhos gastro-intestinais, o som da respiração, e as batidas cardíacas. Depois, vêm os sons do exterior, como a voz da mãe, e todos os outros ruídos ambientais.
A partir da 35ª semana, o feto consegue distinguir um som agudo de um grave. Já no final da gravidez, ruídos muito fortes, como a música numa discoteca, têm o efeito de o sobressaltar ou de acelerar o seu ritmo cardíaco.
Ouve também distintamente vozes que falem alto, no seu ambiente mais próximo. De todas, a que melhor ouve é, sem dúvida, a da mãe, porque esta lhe chega directamente, sem ser filtrada pelo ar.
Outros estudos têm também revelado que, nos últimos meses de gestação, o feto sente emanações olfactivas que impregnam o líquido amniótico e, eventualmente, que distingue sabores que, mais tarde, segundo alguns estudos, estarão na base das suas preferências pelos alimentos açucarados ou pelos amargos.
A visão é o último sentido a desenvolver-se, uma vez que de inicio não é estimulada. Aos sete meses, porém, as pálpebras abrem-se.
Estudos de Peleg e Goldman constataram, ao introduzirem no útero de uma mulher grávida uma lâmpada de luz fria, que essa iluminação provocava no feto acelerações cardíacas. Experiências mais recentes comprovaram igualmente que ele era sensível à luz do exterior.
Inteligência e memória fetais
Às competências físicas, juntam-se as psíquicas. Quando nasce, o bebé está longe de ser, como já foi referido, uma tábua rasa.
E isto no que diz respeito «às emoções, às percepções, à inteligência, aos afectos, a elementos de temperamento que, segundo alguns autores, irão estar na base da personalidade, da motivação, da inteligência e formas de aprendizagem, embora muitas dessas coisas, depois, sejam apenas uma só, em grandes sobreposições», sublinha Pedro Caldeira.
Muito semelhante ao «disco rígido de um computador», compara Eduardo Sá, psicólogo e investigador, o sistema nervoso funciona «sem que exija grandes cuidados de manutenção, processando quantidades e complexidades de informação muito significativas».
Deste modo, quando nascemos, «este hardware traz já 'compactado', no genoma, um conjunto de informações, lapidadas ao longo da evolução das espécies, e que são de extrema utilidade para a sobrevivência de um animal tão sofisticado como é um bebé».
O sistema nervoso é, então, o inconsciente do bebé. Esse mesmo sistema associa informações e, acrescenta o psicólogo, «encaminha toda a informação que recebe organizando-a em diversas 'pastas' a que poderemos chamar pensamentos». Cada experiência vivida dá lugar a mais informação, «que o sistema nervoso, espontaneamente, analisa e associa».
Precisamente, porque o sistema nervoso, «tem competências auto-organizadoras e associativas que estruturam e processam a informação», ou seja, temos dentro de nós, desde os primórdios dos tempos, um centro de formação dos pensamentos que é um verdadeira caixa milagrosa de sabedoria potencial.
Neste contexto, como afirma Eduardo Sá, a memória do feto é implícita, isto é, representa «uma digestão» que o sistema nervoso faz, e a intuição (feita da rede de sentimentos) «comporta-se como uma bainha de mielina que introduz velocidade e complexidade no sistema nervoso».
À medida que evolui, o feto vai adquirindo conhecimento potencial, ou seja, «um conjunto de representações (pré-concepções) que, desde sempre, são inconscientes, e determinam reacções e comportamentos, bem como uma intuição inata a que podemos chamar inteligência fetal».
Dito de outra forma, o feto tem competência para pensar, embora ainda não pense de forma cognitiva. Por outro lado, vários estudos demonstram que cada feto tem a sua própria forma de reagir, e que cada um manifesta a sua individualidade e a sua forma única de ser.
«Há circunstâncias diferentes que variam de pessoa para pessoa, quer biológicas, quer psicológicas», diz Pedro Caldeira.
Na base de todos nós, está, evidentemente, uma forte componente genética, mas o desenvolvimento fetal, tal como o crescimento e desenvolvimento posterior do bebé, serão também afectados pela influência da relação íntima com a mãe e com a interacção com o meio exterior mais próximo.
Feito o balanço, nada está totalmente determinado. O livre arbítrio tem um papel fundamental nas nossas vidas.
A relação crucial
Depois de anos e anos de investigação, sabe-se que a relação do feto com a mãe tem um peso essencial, sendo a gravidez considerada «como um período crucial no início de uma relação infinita e insubstituível entre mãe e filho».
Alguns autores, no entanto, divergem quanto à importância desse vínculo na vida futura do bebé, recusando-se a atribuir-lhe um papel decisivo nos caminhos e nas escolhas que irá fazer, quando adulto.
Outros declaram a disponibilidade afectiva da mãe como um factor essencial ao longo de todo o desenvolvimento, desde o primeiro momento.
Por outro lado, há ainda quem defenda ser impossível «fazer uma interpretação directa de uma relação materno-fetal afectivamente positiva». Isto porque não se pode garantir que os noves meses de gravidez decorram sempre em satisfação permanente, e que é inevitável haver momentos difíceis, medos, inseguranças e angústias da mãe.
Alegam então que, durante a gravidez, as «manifestações de infelicidade ou desagrado podem ser sinal de um laço afectivo muito forte».
Seja de que tipo for, tendo a concepção como ponto de partida, a verdade é que essa relação começa a estabelecer-se muito cedo, verificando-se «ao longo de toda a gestação um processo de interacção permanente entre o ser e o meio que o envolve».
Estas trocas constantes provocam modificações e conduzem, gradualmente, a um «contínuo processo de adaptação». Ao sétimo dia de vida pré-natal, o futuro embrião inicia o «movimento de nidação», que é nada mais nada menos do que uma tentativa de fixação às paredes do útero.
Em 75% do casos, essa fixação não chega a bom termo, e aquilo que seria um embrião morre, e ocorre um aborto espontâneo de que muitas vezes as mães não se dão conta.
Quando, ao contrário, consegue fixar-se, ganha o seu direito a um primeiro ciclo de vida, neste sinal de «contenção» dado pelo útero materno. A batalha pela fixação, como refere Eduardo Sá, pode ser dura, difícil, e pode deixar ou não «vestígios».
Aqui chegados, firma-se a sua «primeira relação estável com a mãe» e o embrião começa a desenvolver uma nova estrutura, a placenta.
Troca emocional
Desde o momento da fixação do futuro embrião às paredes do útero, até ao final da gravidez, muita coisa pode acontecer.
Sobre os efeitos desses acontecimentos, e sobre a interacção entre o feto e a mãe, nas mais diversas problemáticas respeitantes à psicologia da gravidez, a questão da «troca» emocional vivida entre os dois tem sido exaustivamente avaliada.
Desde logo, sabe-se que o stress que a mãe possa sentir em certos momentos da gravidez é um dos factores com maior influência no estado emocional do feto.
Tem reflexos claros não só na relação que a mãe estabelece com o feto, como este é igualmente afectado pelos próprios sintomas da mãe.
A angústia sentida pela mãe, e que se manifesta de diversas formas, como «aceleração do batimento cardíaco, da pressão arterial, sudorese, tremores ou dilatação da pupila» provoca a produção de substâncias como a adrenalina e a dopamina, que atravessam a placenta e chegam ao feto, provocando-lhe sofrimento.
Alguns autores defendem que, se o estado emocional negativo da mãe persistir por tempo prolongado, e o stress, ansiedade ou tristeza sejam constantes, o feto acaba por ser definitivamente marcado fisiologicamente por essa depressão, podendo esta provocar-lhe «uma reacção de protecção de modo a defender-se do efeito doloroso por ela causado».
Mas se esses estados de sobressalto e mal-estar maternal forem passageiros e pontuais, então os efeitos serão mais leves e não tão marcantes.
No entanto, depois de intensa observação de fetos e bebés recém-nascidos, é aceite sem sombra de dúvidas que, se as perturbações emocionais persistentes da mãe são responsáveis por crianças com distúrbios, que vão do choro à falta de apetite e muitas cólicas, apresentando já no útero baixa de peso e grande agitação, o relaxamento e a satisfação maternal reflecte-se numa tranquilidade e igual relaxamento no feto.
Essa relação emocional também pode ser afectada no sentido contrário: recém-nascidos hiper-sensíveis à estimulação ou hipo-activos também afectam a mãe, retirando-lhes a tranquilidade e o equilíbrio. A relação emocional é, portanto, recíproca.
O «tempo do útero», dizia Bonomi, «é o registo maior e mais fiel da individualidade, e o requisito básico para obter o grande tesouro que o ser humano mais deseja ¿ a felicidade - pois é no útero que se aprendem as primeiras lições de amor».
retirado da revista Pais&Filhos
http://www.paisefilhos.iol.pt/
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