Sobre o blog:

“A humanização do nascimento não representa um retorno romântico ao passado, nem uma desvalorização da tecnologia. Em vez disso, oferece uma via ecológica e sustentável para o futuro” Ricardo H. Jones

sábado, 23 de abril de 2016

Disponibilidade para amamentar

Somos mamíferos- ainda que esquecemos- porque temos mamas. E todas as mamíferas foram designadas para amamentar suas cria. Portanto, todas somos capazes de nutrir ao bebê recém nascido com o leite que vem naturalmente do interior de nosso corpo. É verdade que o conceito “natural” está completamente manipulado pela cultura, por isso nos ater ao que é ou não “natural” costuma parecer-nos bastante complexo.



Então depositamos tantas fantasias no alimento, no que é bom ou não oferecer ao bebê, que o “dar de comer” se converteu em todo um problema para as mães modernas. Inclusive dar de mamar passou a ser algo difícil de conseguir, algo que há que superar, controlar e estudar ao pé da letra para ter sucesso. É estranhho que em somente 50 anos da recente história é esquecemos a natureza, a simplicidade e o silêncio com que as mulheres sempre amamentaram aos nossos filhos desde que existe a humanidade.


A realidade é que a amamentação é fundamentalmente contato, conexão, braços, silêncio, intimidade, amor, doçura, repouso, permanência, sono, noite, solidão, fantasia, sensibilidade, olfato, corpo e intuição, ou seja, tudo é muito distante das receitas pediátricas e de todos os “deve ser” que pretendemos cumprir no papel de mães.


Tempo sem Hora

A amamentação falha quando a colocamos dentro dos parâmetros de “melhor alimento”. Quando calculamos, medimos, pesamos ou estamos atentas às quantidades e tempos em que o bebê tomou ou deixou de tomar. Não se trata de pensar no que come. Se trata de estar junto. É algo tão “natural” que esquecemos-o. Porque quase não mantemos relações afetivas de modo simples, sem projetos nem objetivos. 



Para ser uma boa mãe, acreditamos que devemos dar ao bebê o melhor. E se o melhor não é quantificável, a amamentação falha.


A questão vai além dos desejos ou ilusões sobre um bom alimento, somos um exército de mães que não podemos dar de mamar aos nossos filhos, somos mães a quem nos sangram os mamilos, nos ferem e o pior de tudo: o bebê volta a pedir como se não houvesse sido suficiente o que mamou uma hora antes. Temos a sensação de que as contas nunca dão bons resultados em matéria de amamentação. Não se pode viver assim!



Pensemos que nenhuma de nós cria seus próprios filhos de modo diferente de como vive a vida cotidiana. Se somos obsessivas e cuidadosas, assim seremos no vínculo com o bebê, Se temos postas nossa identidade no sucesso profissional, assim seremos com o bebê. Se não podemos deixar de pensar, assim seremos com o bebê. Se temos milhões de interesses pessoais, assim seremos com o bebê. Se a autonomia e a liberdade pessoal são pilares da nossa identidade, assim seremos com o bebê. Se nos nutrimos das relações sociais, assim seremos com o bebê. Enfim, revisando a vida que construímos antes do nascimento do bebê, poderemos reconhecer facilmente que distância há entre nossa vida e a proposta para uma amamentação feliz. 
Não uma amamentação com sucesso, porque ao bebê não lhe importa o sucesso, o aumento de peso segundo as curvas estabelecidas ou as horas de sono. Falo de felicidade e do bem-estar do bebê. 

Bebe em êxtase após mamada




Falo do bebê conectado, que busca o olhar da mãe e sorri. Falo de bebê que não se conforma se não está no colo. Falo do bebê sereno na medida em que perceba um máximo de prazer.





Prazer e conforto, para um bebê recém nascido, é tudo o que se assemelhe ao útero onde morou por 9 meses. Ou seja, contato permanente, alimento permanente, movimento, calor, ritmo cardíaco, suor, odor e o doce timbre da voz de sua mãe. Se isto se sucede, o leite materno flui. Não há mais segredo que o repouso, a disponibilidade corporal, a intimidade e a disposição para ter o bebê “sempre coladinho” durante as 24 horas do dia.
Porém, a realidade cotidiana das mulheres é muito distinta. Acostumamos nos preparar para o parto, mas não para a maternidade. Ou, em todo caso, não nos preparamos para abandonar a autonomía que adquirimos com muito esforço e vontade.



Portanto, digamos com todas as letras: para dar de mamar temos que estar dispostas a perder toda a autonomia, liberdade e tempo para nós mesmas. É uma decisão. Na medida em que optemos por uma modalidade, perderemos vantagens na outra. Explicando de outra forma: se nos apegamos a nossa liberdade pessoal, possivelmente o bebê tenha que se conformar com outros alimentos, porque mãe e filho não encontrarão prazer nem relaxarão na amamentação. Ou, ao contrário, se decidimos dar prioridade a amamentação, perderemos liberdade e vida própria.



Ambas as situações, amamentação e liberdade, não são compatíveis. Ninguém pode determinar o que é que cada qual deve fazer. Mas sim é importante que saibamos o que ganhamos e o que perdemos frente a cada decisão.



 Gutman, Laura. Livro: A revolução das maes: o desafío de nutrir aos nossos filho, pg 99-101

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